INCRIVELMENTE BONS

 INCRIVELMENTE BONS

Haroldo Figueira. 

Eles surgiram no período culturalmente rico dos anos 1960. Conquistaram o público no embalo do movimento da Jovem Guarda. Não se constituíam em mais do mesmo, porém.  Apesar de algumas afinidades – ambos tocavam rock and roll - havia claras diferenças de estilo. A meu ver, a turma liderada por Roberto Carlos, então em início de carreira, exibia um trabalho musical menos elaborado.

Conhecido, inicialmente, como “The Clevers”, o grupo logo precisou mudar de nome por conta da falta de acordo com o empresário Antônio Aguilar, o dono da marca. Para ser mais objetivo, estou me reportando à banda “Os Incríveis”, de São Paulo, que, durante pouco mais de uma década, brindou-nos com um portfólio de melodias maravilhoso, bom de ouvir e de dançar.

Dela faziam parte Domingos Orlando, o “Mingo” (voz e guitarra); Waldemar Mozema, o “Risonho” (voz e guitarra); Antônio Rosa Seixas, o “Manito” teclado, vocal e sax); Luiz Franco Thomaz, o “Netinho” (bateria); Lívio Benvenuti Júnior “Nenê” (baixo) e Dermeval Teixeira Rodrigues “Neno” (baixo). Este passou pouco tempo, cedendo seu lugar ao Nenê em 1965.

A história de sucesso do quinteto não se circunscreveu ao território nacional. Realizou a façanha – nada fácil, para a época – de entrar para o seleto clube dos artistas brasileiros com passagens bem-sucedidas pelo exterior (Europa e Japão). Contudo, foi entre os japoneses que conquistou grande número de fãs. As belas canções “Kokorono-Niji” e “Sayonara” ficaram como espécies de troféus da turnê exitosa realizada ao país oriental.

 Quem dos meus contemporâneos não cantou e se encantou com “Era um Garoto que como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones”, “Molambo”, “O Vagabundo”, “Castigo”, “Marcas do Que Se Foi”, “Quando Vejo o Sol”, “Isto É a Felicidade”, “Israel”, “Nosso Trato” e tantos hits mais? Isso para mencionar apenas músicas vocalizadas. A discografia da rapaziada, porém, era mais abrangente e incluía execuções instrumentais de performances irretocáveis.

Creio que, transcorrido bastante tempo, muita gente, eu inclusive, vez por outra ainda se delicia rememorando preciosidades como “Os Milionários” e “Perdi Você”, sensacionais solos de guitarra do Risonho. Ou “Czardas” onde o genial Manito expõe a sua extraordinária habilidade no manuseio do teclado. Ou, ainda, “Man With the Golden Arm”, “My Prayer”, “El Relicário”, clássicos internacionais aos quais o polivalente Manito, desta vez no saxofone, incumbiu-se de dar qualificada interpretação melódica.

Registrar as expertises de alguns músicos e nada dizer sobre as dos demais implicaria cometer clamorosa injustiça. A música de Os Incríveis certamente deixaria de ser aquele todo harmonioso e vibrante que a tantos fascinou sem a participação da voz inconfundível do Mingo, da destreza e da técnica do Netinho no percutir da bateira ou da habilidade do Nenê no dedilhar das cordas do baixo.

O comum quando se ouve música popular é o ouvinte concentrar-se no principal agente que a veicula. Em outras palavras, se a melodia é cantada, o direcionamento auditivo vai para o vocal, se for tocada, vai para o instrumental. Com Os Incríveis a atenção se dividia. Por exemplo, em “O Vagabundo”, uma canção vocalizada, o acompanhamento do baixo dá realce especial ao desempenho do cantor. Já em “Czardas”, o protagonismo é do teclado, mas as intervenções das guitarras e da bateria vão além da mera coadjuvação.

Há pouco falei de “El Relicário” e da bela interpretação que recebeu via sax do Manito. Toda vez que ouço ou me vem à mente esse célebre pasodoble, a conexão com outro agrupamento de músicos, muito menos famoso, mas igualmente dileto para mim, torna-se inescapável. Refiro-me a “Os Relicários”, de saudosa lembrança para os jovens obidenses do final da década de 1960 e começo dos anos 1970. O sexteto pauxyara, integrado por Alfaia, no baixo, Tibinga, na guitarra, Idarmir no sax-tenor, Dazinho no sax-alto, Gracinha como vocalista e Wilson, na bateira, possivelmente se inspirou em Os Incríveis quando decidiu se organizar. O nome artístico que adotou e a escolha da canção espanhola como prefixo musical dão pistas sugestivas nesse sentido.

Conservo no pensamento e no coração recordações agradáveis do quinteto paulistano. Aparentemente, não resta outra coisa a fazer, hoje, senão refugiar-me nas evocações dos bons momentos que ele me proporcionou, até porque a formação original do conjunto já se desfez, aliás, como tudo na vida que experimenta a ação do tempo. Mingo, Manito, Neno e Nenê não estão mais entre nós.

Ainda bem que só aparentemente, convém ressaltar. Felizmente, estamos em plena era digital. Entre outros prodígios tecnológicos da modernidade, a internet  permite-nos pesquisar e resgatar muita coisa que ficou para trás. Quando bate a saudade de pessoas ligadas à música que, em tempos idos, alegraram minha mocidade, acesso sites como Google e Youtube, baixo os álbuns com as velhas melodias e curto à vontade  seus valiosos legados.

Natal, 26 de abril de 2014

Adicionar comentário


Código de segurança
Atualizar