Edilberto Santos
Todos os paraenses sabem e conhecem a riqueza da linguagem do Estado do Pará, suas diferentes manifestações regionais com o uso de palavras diferentes que significam a mesma coisa em diversas “paragens” do nosso Estado.
Diz o dicionário, que linguagem é a expressão do pensamento quer pelo uso da palavra falada ou escrita; por meio de sinais e até mesmo de entonações em determinados sons como, por exemplo, as diversas mensagens que podem ser passadas com a emissão da manifestação “Huuummm Hummmm” ou “Huuummmm Huummmm hein?”, que pode ser interpretada como uma crítica, como aprovação do sabor de uma comida, como uma surpresa, como manifestação de inveja etc.
O “dicionário papa xibé” do jornalista Raimundo Mário Sobral é pródigo no uso e explicação dessas expressões e eu, aqui do meu cantinho, aproveito para meter a colher nesse mingau levado pela observação de um de meus filhos que riu a valer, quando eu estava dirigindo na estrada e um caminhão insistia em desfilar na minha frente, jogando aquela fumaça preta na minha cara.
Contrariado com aquela lentidão e com o trânsito pesado em sentido contrário, quando foi possível e em segurança, imprimi velocidade no meu carro para fazer a ultrapassagem e tirei, sem querer, lá do fundo da minha memória a seguinte expressão, não sem antes dizer um “Porra” claro, mas, enfim, disse : “vou meter a fulhanca”. Motivo de risos até a chegada em Salinópolis.
Assim recordando, agora escrevo sobre algumas expressões muito comuns usadas por mim e pelos meus conterrâneos quando morava em Óbidos, sem pretender esgotá-las, claro, mas que certamente reavivará a memória de muitos dos que me dão o prazer da leitura deste texto, em especial se forem da minha faixa etária (61) anos.
PORFIA
Apesar de não ser uma palavra de uso que possa caracterizar a linguagem de Óbidos de antigamente, ela serve aqui para demonstrar o sentimento que dominava a garotada, que por qualquer coisa e máxime por falta de diversão para os ativos moleques, logo arrumavam um bom motivo para realizar uma “porfia” quer para saber quem chegava correndo primeiro no Matadouro (Curro) saindo de um ponto comum que normalmente era o bar do Sr. Odenor; quer para saber quem conseguiria segurar na ponta da corda traseira até o matadouro quando o gado era desembarcado e corria como louco pela Travessa Pauxis em direção ao abatedouro, controlado por 04 fortes caboclos que os conduziam com uma corda na frente e outra atrás cuja ponta era disputada pela molecada enfim, tudo era motivo para “porfia” daí porque resolvi mencioná-la aqui, até porque esta palavra tem forte relação com a expressão “Meter a Fulhanca”.
Travessa Pauxis – local por onde passavam os bois para abate
Logo que mostrei este texto para um amigo, ele ao ler essas três palavrinhas foi logo dizendo “xxiiiiiii lá vem merda” o que me desestimulou sobremaneira, e pensei em retirá-lo para não tornar o texto desagradável ou desrespeitoso, porém, fui convencido pelo mesmo a publicar como está posto, já que ainda hoje é uma realidade presente no interior do Pará e mesmo na periferia de Belém, desculpando-se pelo seu comentário impensado. Assim sendo, lá vai.
No meu tempo de moleque eu vivia pela casa dos colegas e por lá mesmo algumas vezes almoçava. Em outras palavras, eu passava o dia inteiro fora de casa durante as férias ou quando eu fugia do Grupo Escolar José Veríssimo enfim, durante esse período logicamente sobrevinham minhas necessidades fisiológicas e quando sobrevinha a necessidade de nº 01 não tinha problema porque qualquer pé de árvore servia, porém, o bicho pegava mesmo quando sobrevinha a necessidade fisiológica de nº 02.
Neste caso não tinha saída eu era obrigado a visitar a “casinha”, devidamente armado com um galho de árvore qualquer desde que tivesse folha, e que não era para usar no que vocês estão pensando mas para “espantar os carapanãs”, fosse a hora que fosse, e principalmente por volta das 06 horas da tarde quando viam os malditos carapanãs naquele momento que deveria ser de pura “reflexão”, uma oportunidade de ouro para se alimentar de sangue já que o “cardápio estava na mesa e totalmente indefeso”.
O galho servia para espantar a nuvem de carapanã e eu como todos os freqüentadores da “sintina” tínhamos três preocupações básicas ao visitar aquele insalubre local, que não passava de um buraco cavado no solo com uma peça de concreto tipo “vaso turco” para o sujeito se “acocorar”, e aí era o momento de sua vulnerabilidade quando, como disse, os usuários tinham três preocupações simultâneas: 1ª- Fazer o nº 02 na maior velocidade que pudesse e se possível não aguardar a segunda “remessa”; 2ª- espantar as nuvens de carapanãs que vinham ávidos para o seu banquete, estimulados pelo “movimento” que estava acontecendo dentro do buraco e o pobre do usuário tinha que se defender com o galho que levara para a “retrete”, tomando o cuidado para não cruzar o percurso do que despejava e 3ª- tomar todo o cuidado para sua roupa não cair no chão ou mesmo no buraco porque, neste caso, o vexame era total. Que sufoco !
Todas essas dificuldades eram multiplicadas várias vezes quando a usuária era mulher, em especial quando a pobre estava gestante ou “naqueles dias” e hoje em dia para nosso bem e higiene, as “casinhas” viraram Toilletes; os banheiros são construídos dentro de casa e quando exalam odor todos reclamam e ainda usam os modernos e cheirosos banheiros como escritório posto que alguns conduzem para dentro destes seus Smartfones, Tablets e Notes e ali demoram uma eternidade. Quero ver esse comportamento dentro de uma “retrete” cheia de carapanã.
VERTER ÁGUA
Muito embora pareça uma expressão bucólica que nos remete a um vertedouro de água de uma barragem; de um açude em uma linda fazenda enfim, de um escoadouro do excesso de água represada, lá para as bandas de Óbidos significava mesmo era fazer xixi e assim, lembro bem da minha mãe recomendando aos seus “curumins” para “verter água” antes de dormir, para evitar eventual “mijadeira” na rede durante a noite.
PÔÔLA
Esta palavra era usada como grito de vitória pelos hábeis empinadores de papagaio (pipas) de Óbidos, após partirem com seus papagaios com linha cheia de cerol para cima de outro papagaio ou pipa a fim de cortar a linha que o sustentava no ar. Quando obtinham sucesso e “cortavam” a linha também encerada do outro papagaio, eram ovacionados com o grito dessa palavra.
Em Óbidos precisamente na lateral esquerda do campo de futebol do quartel do exército considerando-se quem sai do quartel, domingo por volta de 14 horas quando não havia jogo, era comum o torneio de papagaios que eram sustentados no ar por um constante vento que soprava na direção da serra da escama, e ali se exibiam os mais lindos papagaios, as melhores linhas com cerol (vidro picado bem fino de preferência de vidro de leite de magnésia que era azul e cola para tornar a linha cortante) enfim, era um torneio disputado em duplas e também tinham as torcidas organizadas dos fabricantes de papagaio.
Quando um “empinador” de papagaio (eu empinava caba mesmo) cortava a linha que sustentava no ar o papagaio de seu adversário, ele e a sua torcida gritavam em uníssono “PÔÔÔÔLA” para comemorar o sucesso do “laço” ou “laçada”. Era um grito de vitória e reconhecimento da qualidade do papagaio, do cerol e da habilidade do empinador (soltador) de papagaio (pipa).
METER A FULHANCA
Finalmente a motivação maior destes escritos que, como já disse, está estritamente vinculada à porfia que se dava entre os moleques da minha infância e pré-adolescência, como também está vinculada à porfia que existia no mundo dos adultos e em especial a porfia entre as embarcações de Óbidos e as de Oriximiná, ou dentre as embarcações dessas mesmas cidades, sendo motivo de orgulho para o proprietário do barco quando este era reconhecido como mais veloz do que o outro ou mesmo, o mais veloz do pedaço.
Vale lembrar para quem não conhece a região, que o rio Amazonas tem correnteza com grande velocidade em frente à cidade de Óbidos e ainda, a água é barrenta e cheia de partículas sólidas o que torna a navegação mais lenta e “travada”, exigindo assim mais força e velocidade das embarcações que por lá navegam.
Neste cenário a porfia entre as embarcações eram muitas e sérias posto que traziam como consequência, além do orgulho para o proprietário do barco mais veloz na rota, a preferência dos passageiros que chegavam mais cedo aos seus destinos com menos tempo de viagem e para o proprietário mais prestígio, economia de tempo e dinheiro.
Era comum durante algum evento que chamasse a atenção da população como a saída das pessoas para um acontecimento festivo no interior de Óbidos, a realização de porfias entre as embarcações o que se dava com total segurança, diga-se, com os comandantes obedecendo todas as regras da navegação sob pena de desqualificar a porfia e torná-la inválida e assim partiam, após alinharem os barcos obedecendo distância segura entre estes, acompanhados de grande e barulhenta torcida que ia embarcada em um e em outro.
No curso dessa porfia, eram usadas várias técnicas combinadas entre o comandante da embarcação e o seu maquinista que envolvia a menor ou maior rotação do motor, já que a vitória dependia fundamentalmente da sincronia entre esses dois personagens e em determinado momento da porfia, o comandante mandava um sinal sonoro (campainha) ao seu maquinista para que ele “metesse a fulhanca”,ou seja, exigisse o máximo do motor da embarcação, colocando-o para funcionar na maior rotação que tinha e que por sua vez, não podia funcionar por muito tempo naquela rotação máxima sob pena de “assar o motor”.
“Meter a fulhanca” significa ou pelo menos significava, acelerar o veículo ou aumentar a rotação do motor marítimo ao máximo para superar um obstáculo ou acelerar estrategicamente o veículo/embarcação na reta final. É um esforço maior feito repentinamente pelo condutor do veículo/embarcação para alcançar mais rápido um objetivo.
CUIN FEITO ou AH! CUIN FEITO
Expressão muito utilizada pela minha avó paterna D. Daia para manifestar lamentação, “pena”, pesar. Significa “ah! Coitado”. É uma expressão de tristeza por um fato desagradável acontecido. Ex: o fulano ficou viúvo. Cuin Feito! Não sei se hoje em dia ainda se lamenta o fato de alguém ficar viúvo.
Certamente muitas outras palavras e expressões estão na memória dos que me dão o prazer da leitura, e se não me lerem, só me restará lamentar e dizer: Ah! Cuin feito.
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Belém-Pa, 10 de abril de 2016
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