Haroldo Figueira. Como quase todas as pessoas que reconhecem nas atividades físicas, mais que um método eficiente para manter o corpo em forma, uma necessidade para se viver com saúde, procuro exercitar-me regularmente. Há, porém, os exercícios que faço com prazer e aqueles que executo movido pelo sentimento de obrigação. Dentre os primeiros, estão as caminhadas.
Empreendê-las, no entanto, em ambientes fechados, utilizando-me das esteiras ergométricas, não é lá muito do meu agrado. Acho a alternativa entediante. Prefiro caminhar a céu aberto, utilizando-me de trajetos diversificados que defino às vezes previamente, às vezes de forma aleatória. Sinto-me mais à vontade quando posso, tanto na ida quanto na volta, percorrê-los de um só estirão.
Tenho minhas razões para achar melhor sair andando por aí. Enquanto caminho, dou liberdade ao pensamento, faço planos, resolvo problemas e até concebo muitos dos artigos que escrevo. Aproveito, também, para ouvir música através de fones de ouvido conectados ao um celular que carrego no bolso da bermuda. Mas o que mais me gratifica, todavia, é o contato com a natureza.
Descortinar paisagens, visualizar árvores em floração ou carregadas de frutos, observar pequenos animais como passarinhos, borboletas, lagartos, deliciar-me com o vento fustigando-me a face e até mesmo prestar atenção no comportamento das pessoas que cruzam comigo, tudo isso faz com que, aquilo que na origem representava uma rotina destinada a movimentar o corpo, acabe se transformando em um agradável passatempo.
Dias atrás concentrei o foco do meu olhar em algo que, lamentavelmente, costuma passar despercebido para a maioria dos passantes. Aqui e ali, entre a vegetação que margeia o caminho, crescem flores diversificadas, multicoloridas. Trata-se de espécimes resistentes, que vicejam independentemente de cultivo. A despeito de toda rusticidade, no entanto, não deixam de exibir delicadeza e encanto.
Pena que sejam solenemente ignoradas. Parece que pesa sobre elas – e também sobre os seres humanos pobres - o estigma do material de segunda categoria. Por esse critério de divisão elitista, coisas e pessoas associadas à simplicidade e à humildade seriam classificadas como inferiores. Pior, aos eleitos, a glória; aos rejeitados, o limbo. Reluto em aceitar que seja assim. Mas há fortes indícios apontando nessa direção.
Na famosa canção “Gente Humilde”, composta por Chico Buarque em parceria com Vinícius de Morais e Garoto, o poeta vai ao centro da questão, ao expor o seu inconformismo com o estado de abandono em que vivem os moradores de subúrbio. Fala, inclusive, das flores que ornam as varandas das casas de subúrbio adjetivando-as de “tristes e baldias” e as compara com a “alegria que não tem onde encostar”. Certamente, não são flores diferentes das encontradas em muitos jardins, mas a pobreza dos moradores acaba por contagiá-las subtraindo-lhes o poder de sedução.
Felizmente, a apreensão racional do belo ultrapassa juízos de valor guiados pelo preconceito. Não custa lembrar o que disse Jesus Cristo sobre o glamour e a elegância contidas em uma singela erva do mato: “Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham e nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles” (Mat 6,28-29).