Célio Simões (*)
Nada mais gratificante para um orador, do que saudar uma pessoa que ele admira. E dessa tarefa estou incumbido, por especial beneplácito do nosso presidente, Dr. Walbert Monteiro. De início e para que todos tomem conhecimento de como se materializou a criação da nossa Academia, permito-me citar breve trecho da lavra do confrade Aldemyr Feio, no seu autodenominado “Jornal do Feio”, no ano de 2009:
“A Academia Paraense de Jornalismo foi fundada em 26 de outubro de 1994, tendo como objetivo básico a valorização cultural da atividade jornalística, estimulando-a a dimensão intelectual. Compõem a Academia (...) profissionais que desempenham ou hajam desempenhado atividades jornalísticas, e autores de trabalhos publicados regularmente na imprensa. É constituída por 40 cadeiras perpétuas (...). A APJ começou com vários encontros no terraço da residência de Donato (Cardoso), na Travessa Mauriti, entre as avenidas Pedro Miranda e Marquês de Herval, sob a luz da lua e das estrelas.
A turma se reunia uma ou duas sextas-feiras por mês para discutir os rumos da APJ, regada a um bom uísque (legítimo, selado) e doses gratificantes e benfazejas de tira-gostos variados. O encontro começava, invariavelmente, as oito e meia e, por vezes, se prolongava até quase meia noite. Ou mais.
No “famoso” terraço do Donato foram escolhidos os 40 acadêmicos fundadores efetivos e vitalícios - numa seleção um tanto quanto rigorosa, onde se mesclavam profissionais da nova e da velha guarda. Lá foram aprovados - em mais de seis reuniões - os estatutos (...), contando com a experiência do jornalista Alfredo Pinto Coimbra e de jornalistas – também advogados – previamente escolhidos”.
Menos pelo uísque de excelente qualidade servido pelo anfitrião - pois sou abstêmio - porém pela inovadora ideia, participei com assiduidade e entusiasmo daquelas reuniões, tendo a honra de figurar entre os fundadores, recebendo por benevolência de meus pares o título de Sócio Honorário, mais tarde escolhido como membro efetivo, de vez que os cargos são vitalícios e por disposição estatutária, um novo candidato só pode ser eleito em sucessão à morte do seu anterior ocupante.
Esse é o nosso lamento, o desfalque de pessoas queridas que estão no nosso convívio como Bulcão e Acyr Castro, que da morte se libertou há cinco dias, enlutando profundamente a cultura paraense e a nossa Academia, da qual era também membro efetivo, titular da Cadeira n.º 7.
Entretanto, a cadeira que hoje se preenche é a mística n.º 13, que vista pelo lado positivo na carta de tarô, tem o sentido de fim de um ciclo, de mudança, o número das boas vibrações. Tem como patrona Helena Cardoso e seu preenchimento pela ilustre empossada se deve à vaga aberta com a partida para outro plano existencial, de uma das mais emblemáticas figuras de jornalista que já tivemos, o saudoso Manoel Bulcão, que por muito tempo militou nos jornais Flash, Folha do Norte e A Província do Pará, à época os maiores jornais de Belém em termos de anunciantes e tiragem.
Entrevistador habilidoso e profissional versátil, sempre expressando sem reservas seus pontos de vista, Bulcão, com sua têmpera de caboclo de Parintins não se permitiu vergar nos anos de arbítrio, em que ele e outros tantos tiveram subtraído o bem mais precioso - a liberdade - uma época conturbada e aflitiva da nossa história recente.
Se ficamos privados de seu agradável convívio, consola-nos o exemplo de altivez que ele legou aos jornalistas, e de como devem eles se conduzir perante eventuais espasmos de autoritarismos, infelizmente ainda muito presentes, mesmo sob as luzes da Carta Política/88, quando manejada por mãos inábeis.
Por absurdo, ainda constatamos tentativas pontuais de silenciar os profissionais da imprensa, tolhendo-os de exercerem seu direito de informar, de opinar, de criticar, de investigar e principalmente de denunciar - e quanto a isso, mesmo neste momento solene, não posso adormentar minha justificada preocupação.
Antes de 1988, a classe aspirava por uma Carta de Leis que lhe desse a necessária segurança jurídica para desenvolver o seu mister. A propósito, registra a história que quando os plebeus romanos revoltaram-se, entrincheirando-se no Monte Aventino, o Senado de Roma mandou saber o que eles pretendiam. Queriam leis escritas. Ganharam a Lei das Doze Tábuas. Nenhuma outra reivindicação foi apresentada. Só uma aspiração de caráter formal bastava - e conseguiram.
Entre as etimologias atribuídas à palavra “lei”, encontram-se os significados do que é escrito e do que é estável. O que mais teria levado àquele pedido de leis escritas, senão o ardente desejo de uma efetiva segurança jurídica?
Séculos mais tarde, os barões da Inglaterra arrancariam do rei outro texto escrito, que passaria para a história como a Carta do Rei João Sem Terra, concedendo uma série de garantias aos súditos, que passaram a ser respeitadas. Mais alguns séculos e os franceses fariam uma revolução que produziu uma constituição escrita. As constituições elaboradas em nossos dias são todas escritas e rígidas, assim consideradas por colocarem obstáculos ao legislador reformador.
O sentido de tudo isso é a busca da segurança jurídica. Saber quais são as regras, quais são os direitos, quais são as obrigações dos cidadãos. Sem isso não existe direito algum, quando se desconhece o alcance e o limite do poder, conferido àqueles que encarnam o Estado.
No próprio STF, vários de seus magistrados já colocaram em destaque uma das mais relevantes franquias constitucionais: a garantia da liberdade da manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado Democrático de Direito. Sobre o assunto disse, de forma insuperável, o eminente ministro Celso de Mello: “Uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade, não devendo existir, por isso mesmo, nenhuma lei ou ato de poder que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa, seja qual for o meio de comunicação”.
Na abalizada visão do decano da Corte, o direito à crítica é reconhecido “ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades”, tendo a crítica jornalística “qualificação constitucional” e sendo legitimada pelo interesse social que a anima.
Nesse quadro, diz ele ainda que “não caracterizará hipótese de responsabilidade civil, a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental”.
Conclui o ministro afirmando que, diante das pretensões de se promover a repressão à crítica jornalística, por meio de condenações ao pagamento de indenizações civis, cabe a advertência de que “o Estado – inclusive o Judiciário – não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social”, considerada a essencialidade da liberdade de expressão do pensamento, sob todos os aspectos, para a ordem democrática.
Na esteira desse pensamento, a eminente ministra Carmem Lúcia, recém- empossada na Presidência do Supremo, já havia afirmado que a imprensa "muitas vezes é a palavra que falta aos que não podem falar". Para ela, "a liberdade de expressão impõe responsabilidade paralela, mas não tem nada a ver com censura". E ressaltou ainda que a liberdade de expressão é “uma conquista permanente da sociedade”.
Essas digressões eu as faço pois não consigo assentir que a garantia da livre manifestação de pensamento, preceituada na Carta da República, ainda seja desafiada por autoridades avessas a uma melhor disciplina judiciária, o que ocorre toda vez se arvoram a restringir a liberdade de informação jornalística, já referendada pela mais alta instância do poder judiciário brasileiro.
Exteriorizada essa preocupação que sei não ser só minha, torno a focalizar com grande satisfação na pessoa da nossa mais moderna integrante, que aqui chega após memorável e unânime votação ocorrida no dia 19/08/2016, com a responsabilidade de ocupar a cadeira que foi de Manoel Bulcão.
Conquanto sua notoriedade, que em princípio poderia prescindir de maiores apresentações, sobre ela irei discorrer um pouco, torcendo para que não me traia a parcialidade pelo apreço com que a tenho, desde que passei a acompanhar sua trajetória de militante de causas sociais, como por exemplo, o combate ao trabalho infantil, projeto do TRT/8.ª Região - no qual nós dois somos voluntários - uma admirável tentativa de resgatar a dignidade de menores carentes, atores indefesos dessa complexa teia de ignorância, medo, preconceito e exploração, fonte de sofrimento para suas famílias, via de regra envolvidas em situações conflitantes e assustadoras.
Franssinete Florenzano está radicada em Belém há mais de trinta anos, porém é natural de Santarém (PA), pérola exaltada pelo lirismo de seus cantores e menestréis, capital da beleza e do exotismo da alma amazônica. A cidade - onde ela viveu até os 17 anos - tem por luxo e capricho a fidalguia e a lhaneza de sua gente, adoçada pelo aprazimento de sua magnífica culinária e a formosura sem par de suas praias, dentre elas Alter do Chão – mundialmente conhecida como o Caribe Brasileiro, banhada pelas águas tépidas e azuis do Rio Tapajós, por sobre o qual, parodiando uma expressão da própria homenageada, a garça “Gisele” alça seu voo diário, majestosa e cheia de graça, desfilando a alvura de sua faceirice, para deleite dos observadores.
É neta do patriarca José Florenzano, que entre tantos outros italianos, fincaram raízes em Belém e em cidades como Santarém, Alenquer, Óbidos e Oriximiná, tão numerosos que por muito tempo houve uma representação do consulado da Itália em Óbidos. Com suas raízes materna e paterna na região do Baixo Amazonas, ela se define como “multimunicipal”, pois é filha de um conterrâneo meu, o “fivela” Francisco Sarrazin Florenzano e da Sra. Cezarina Florenzano, de Oriximiná, sendo casada com o doutor Antonio Alberto Pequeno de Barros, engenheiro carioca.
É mãe da bela e talentosa cantora lírica Gabriella Florenzano, aplaudida pelo virtuosismo vocal que a faz privilegiar o canto em detrimento da cena, uma flor entre cristais que chegou ao estrelato fascinando plateias com o brilho de seus recitais e que tenho convicção, não regateará aplausos por mais esta conquista da sua maior admiradora. Mãe e filha. Basta observá-las para concluir que elas se completam, pela cumplicidade latente só possível onde medra o carinho sem medidas e o amor filial sem limites.
Jornalista e advogada, Franssinete Florenzano é consultora de carreira da Assembleia Legislativa do Pará, com mais de trinta anos de serviço e desenvolve suas atribuições junto à presidência da Casa. Assessorou a Constituinte Estadual, a 1ª Secretaria da ALEPA e a presidência do IPALEP e foi coordenadora executiva da Frente Parlamentar Pró-Hidrovias e Portos do Pará.
No Poder Executivo foi assessora da presidência da FTERPA - Fundação dos Terminais Rodoviários do Pará e coordenadora de Comunicação da SETRAN, do projeto SIP/Alça Viária, do DETRAN-PA, da SEDUC e da COSANPA. No Poder Judiciário, implantou a assessoria de Comunicação do TER/PA e foi membro titular do Conselho Gestor de Comunicação Social do TSE – Tribunal Superior Eleitoral. Exerceu, também, o cargo de assessora de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Pará.
É membro titular da Comissão Justiça e Paz da CNBB Norte II; do Comitê Estadual do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral; da Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Jornalistas do Pará; da Sociedade Amigos da Marinha; da Comissão da Verdade do Estado do Pará e Presidente da Comissão da Verdade, Memória e Justiça dos Jornalistas do Pará; é Sócia Honorária do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e voluntária em vários projetos sociais, nos quais o foco é sempre o ser humano.
Criou, dirige e edita, há quase 24 anos, o jornal Uruá-Tapera. Seu “Blog da Franssinete Florenzano” de agradabilíssima leitura pelas abordagens sobre nossos municípios, notícias, comentários, política regional e nacional, crítica construtiva, espaço interativo, gastronomia, ecologia, curiosidades, agenda cultural e a apreciada galeria de fotos é o mais acessado do Estado, com cerca de 16 milhões de visualizações atestadas pelo Google Plus, tendo sido agraciada duas vezes pela Federação das Indústrias do Pará – FIEPA com o prêmio “Profissional do Ano”, nessa categoria.
Por seus atributos morais, intelectuais e atuação em favor da cidadania, da sociedade e dos direitos humanos, recebeu a Medalha Padre José Nicolino de Souza e o Título de Honra ao Mérito, pela Câmara Municipal de Oriximiná; a Comenda da Ordem do Mérito Cabanagem; a Medalha Isa Cunha e a Medalha Paulo Frota, pela Assembleia Legislativa; a Comenda da Ordem Jus et Labor, do Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª Região e a Medalha Amiga da Marinha.
Que bom para mim foi motivá-la a ingressar em nosso Sodalício. Acho mesmo que já estava demorando. A uníssona aceitação a seu nome, pelos que votaram no dia 19/08/16 na eleição realizada no Sindicato dos Jornalistas, dá a ideia de como será proveitoso tê-la entre nós, por suas qualidades como mulher de seu tempo, antenada com os fatos, seu determinismo férreo, vontade inquebrantável e inteligência arguta a serviço do bem comum.
Quando escrevia estas linhas, conjeturei se a advocacia e o jornalismo são, para a nova acadêmica, profissão ou destino. Eu diria que os dois... E assim concluí pois ela enxerga o mundo através das suas lentes culturais, políticas e sociais - aspectos que tangenciam aquelas duas atividades – ao tempo que incorpora dimensões espirituais da realidade em que vive, tendo seu ângulo de visão dominado pelo local de onde olha, aqui desta Belém de 400 anos, portal da Amazônia, com seus mistérios, cores, conflitos, sofrimentos e encantos.
Em nome da nossa confraria e movido pelo otimismo de saudá-la, parabenizo-a prezada amiga Franssinete, pela maiúscula vitória e pela imortalidade. Este é o seu momento de celebração; você merece estar aqui! Seja bem-vinda à Academia Paraense de Jornalismo, de cujos propósitos você tanto se aproxima por sua personalidade e trajetória profissional.
Como dito antes, nesta Casa somos 40, afeiçoados ao jornalismo, inclusive o jornalismo literário. Não somos necessariamente os melhores ou os de maior visibilidade - desde que alguns sejam ótimos e que todos sejam muito bons - e que nenhum de nós se possa apontar entre os piores.
Muito obrigado!
Célio Simões de Souza
Cadeira n.º 20 da APJ
(Discurso proferido pelo advogado e acadêmico Célio Simões de Souza, na solenidade de posse da advogada e jornalista Franssinete Florenzano na Cadeira n.º 13 da Academia Paraense de Jornalismo, no dia 19/09/2016, em Belém).