Entrevista com a Dra. Emilie Stoll sobre a digitalização do acervo do Museu Integrado de Óbidos

Entrevista com a Dra. Emilie Stoll sobre a digitalização do acervo do Museu Integrado de Óbidos

A entrevista seguinte é com pesquisadora francesa Dra. Emilie Stoll, que faz parte do Projeto “Amazônia agora: Centros de preservação da memória e do meio ambiente”,  como vice coordenadora do Projeto, que juntamente com Prof. Gefferson Ramos Rodrigues, da UFOPA de Santarém, coordenador do projeto, viabilizaram a digitalização do acervo do Museu Integrado de Óbidos.

Dra. Emilie Stoll, é antropóloga, concursada no Centro Nacional de Pesquisa Ciêntífica da França. Fez um doutorado combinado na UFPA de Belém e da Ecole Pratique des Hautes Etudes de Paris. Desenvolveu pesquisas na região do Baixo Amazonas desde 2010. Trabalhou em comunidades ribeirinhas e aldeias indígenas do Rio Arapiuns, do Lago Grande de Curuai, no Arapixuna (município de Santarém) e, desde 2019, começou uma pesquisa em Óbidos e em comunidades de várzea localizadas próximo do antigo Cacoal Imperial.

Veja a entrevista:

Obidos.net.br: Como surgiu a ideia do Projeto para digitalização do acervo do Museu Integrado de Óbidos?

Dra. Emilie Stoll: Como antropóloga, me interessei pelas histórias de família dos moradores da região e pela ocupação regional e os usos da terra. Meu trabalho consiste então em fazer entrevistas e coletar narrativas orais. Porém sempre gostei de história e logo que comecei a pesquisa fui completando meus dados etnográficos com buscas historiográficas em documentos arquivísticos. Descobri que muitas pessoas conservam nas suas casas documentos que têm um valor histórico importante. As vezes são documentos administrativos que foram jogados no lixo e salvos por alguém que os resgatou, ou mesmo memórias familiares de moradores que gostam de guardar coisas velhas. O Museu Integrado de Óbidos é um exemplo disso já que possui no seu fundo documentos da prefeitura que foram levados e guardados ali. O problema com os documentos guardados em casa ou em museus que não têm uma estrutura específica para seu armazenamento é que com a humidade do ar, as pragas e os manuseios, acabam sendo fragilizados com o tempo. Foi assim que surgiu a ideia de digitalizar esses acervos. Para salvar a memória, mas também para evitar que eles fossem tocados por pesquisadores, já que é possível de consultá-los em tela de computador sem manuseio do original. Conheci a documentação preservada no Museu Integrado em 2019, quando eu fui fazer uma pesquisa sobre o francês Paul Le Cointe. A partir daí, quando surgiu a possibilidade de fazer um projeto voltado a comunidades amazônicas, graças aos contatos do Prof. Gefferson Ramos Rodrigues com uma historiadora alemã, a Jorun Poettering, eu apontei esse fundo do Museu Integrado para ser digitalizado nesse projeto.

Obidos.net.br: Quais as instituições estão a frente desse projeto de digitalização do acervo do Museu?

Dra. Emilie Stoll: O projeto de digitalização chama-se “Amazônia agora: Centros de preservação da memória e do meio ambiente”. O coordenador principal é o Prof. Gefferson Ramos Rodrigues, da UFOPA de Santarém, e sou a vice-coordenadora. Ele é financiado por uma fundação alemã, a Gerda Henkel Stiftung, voltada à preservação de patrimônios históricos. Além disso, contamos com o apoio administrativo da Associação de Defesa dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente (ADHMA) que faz parte da JUPIC – Comissão Justiça e Paz – que administra o dinheiro do projeto e cujas contas são fiscalizadas. É assim que o Padre José Boeing da congregação do Verbo Divino foi convidado para coordenar esse projeto junto com a gente. A embaixada de Luxemburgo em Brasília também ajudou com um financiamento para custear os gastos voltados à atuação da contadora que ajuda a associação. Em Óbidos, a instituição parceira é o Museu Integrado. Ainda temos uma parceria com o Conselho comunitário de uma comunidade de várzea do município de Santarém, chamada Arapixuna, onde também desenvolvemos o mesmo projeto de digitalização que em Óbidos.

Foto na época do lançamento do projeto em fevereiro de 2022

Obidos.net.br: Quais os pesquisadores estão participando do projeto?

Emilie Stoll: Além de mim, os pesquisadores são: o Dr. Gefferson Ramos Rodrigues, historiador, professor na UFOPA e especialista das revoltas populares no Brasil. Temos também o Dr. José Boeing, da área do direito quem trabalha na justiça socio-ambiental, o Dr. Ricardo Folhes, geógrafo, professor na UFPA de Belém, que trabalha com questões voltadas ao uso da terra e territórios na Amazônia, a Dra Jorun Poettering, historiadora alemã, que estuda a questão das cidades coloniais e as redes de comércio de judeus portugueses em Hamburgo na Alemanha. Temos também duas alunas cursando o Mestrado, a Camila Gomes, historiadora que trabalha sobre a educação em Santarém, e a Anália Oliveira de Souza, jurista que estuda as violências obstétricas também em Santarém.

Obidos.net.br: Quantas pessoas participam ou participaram da Digitalização do Acervo?

Emilie Stoll: Em Óbidos, os integrantes do nosso projeto são 10 estudantes do ensino médio, 2 alunas de graduação da UFPA - campus de Óbidos, e 2 supervisores. Até o momento, passaram a atuar no nosso projeto:

Cargo de supervisão: Dayana Caroline Lima Almeida, Isabel Cristina Marinho Santos Pinto, Jorge Eder Prata Mamede

Alunos de graduação: Glenda Soares Franco, Suzane Costa da Mota

Alunos de ensino médio da escola Prof. Maurício Hamoy: Alana Ribeiro Viana, Alice Vasconcelos Gomes, Ana Cristina Cerdeira do Amaral, Bruna Melgaço De Oliveira, Bruna Taíssa Marinho Matos, Elilson dos Santos Pinheiro, Joselice Oliveira Marajó, Max Andra Pinheiro dos Santos, Nalanda Marques Ribeiro, Soyane Barbosa Batista, Vitória Andrade, Werleson dos Santos Silva.

Durante o Lançamento do Projeto: Prof. Gefferson Rodrigues (ufopa) - Emilie Stoll (cnrs) - Pe José Boeing (ADHMA) - Ronaldo Brasiliense (ACOB)

Obidos.net.br: Qual a metodologia adotada para a digitalização do acervo?

Emilie Stoll: A gente utiliza scaneres planetários (que escaneam “de cima”, sem tocar no documento) da marca Fujitsu, do modelo ScanSnap SV600. Daí, fica armazenado em laptops e salvo em HDs. Além de digitalizar o acervo, a gente também vai iniciar entrevistas que serão também armazenadas nos computadores e nos HDs, para guardar a memória das pessoas sobre as mudanças no uso da terra na região de Óbidos.

Obidos.net.br: Que tipo de acervo foi digitalizado?

Emilie Stoll: Digitalizamos toda a documentação que se encontrava no Museu Integrado. Isso inclui os livros da Prefeitura municipal sob a guarda do Museu, além dos arquivos do projeto do Quilombo do Pacoval coordenado pela professora Idaliana. Além da documentação da Prefeitura que está no Museu, nós digitalizamos as fichas de cadastro do acervo arqueológico do Museu. Ainda, identificamos outros acervos muito valiosos e que ainda precisam de um tratamento, a exemplo das fitas cassetes com entrevistas de pessoas de comunidades quilombolas, e pessoas da própria cidade como autoridades políticas e religiosas, festas, eventos. Há também um acervo de fitas VHS que precisam de uma digitalização urgente. Elas contêm imagens de uma emissora de TV que existiu em Óbidos nos anos 80, e certamente ali devem ter imagens únicas sobre a cidade. Esses acervos magnéticos, nós não pudemos tratar por falta de recurso, mas chamamos a atenção para isso para que outras pessoas que tiverem interessadas para conservar os acervos presentes no Museu possam vir a dar algum tipo de contribuição.

PArticipantes do projeto, junto a parte do acervo do Museu que foi digitalizado.

Esse projeto nos permitiu fazer parcerias com outras instituições da cidade, como é o caso da Igreja, onde digitalizamos arquivos da diocese de Óbidos. Aproveitamos para agradecer o bispo Dom Bernardo pela sensibilidade que ele teve em aceitar que nós fizessemos a digitalização do acervo deles. Da mesma forma, nós fizemos a digitalização de todas as atas que estão guardadas na Câmara municipal de Óbidos. Essa autorização foi feita pelo então presidente da Câmara Jalico e teve continuidade com o atual presidente da Câmara, o Sr. Rilder Ribeiro.

Óbidos é uma cidade repleta de documentos históricos e é possivel que outras instituições centenárias da cidade ainda possam ter documentos relevantes para a história do município, como por exemplo o Colégio São José, de cerca de 100 anos, cuja historia foi contada em um livro escrito pela Professora Marilene. Nesse livro, ela cita vários acervos desse colégio. Pensamos também no acervo da Santa Casa de Misericordia, que também é centenária.

Estamos também dispostos a acessar acervos de particulares da cidade que têm documentos históricos em casa.

Apesar do projeto encerrar oficialmente em dezembro de 2023, seria muito importante que os trabalhos iniciados continuassem e tenham desdobramentos para que o Museu possa estabelecer novas parcerias e ter novos projetos de preservação patrimonial.

Emilie Stoll e bolsistas do projeto entrevistando o Sr e a Sra Chocron em novembro de 2022, em presença da Dra Marlia Coelho Ferreira, pesquisadora convidada do INMA

Obidos.net.br: Como e onde ficará armazenado o acervo digitalizado?

Emilie Stoll: Fica armazenado em um computador de mesa comprado pelo projeto e cedido ao Museu Integrado, com cópia digital em um HD de back up.

Obidos.net.br: Já foi concluído a Digitalização?

Emilie Stoll: A digitalização do acervo do Museu integrado já foi totalmente concluída. Estamos abertos para receber propostas de particulares e instituições  que gostariam de oferecer a oportunidade para a comunidade obidense de acessar os documentos que têm nos seus acervos particulares.

Obidos.net.br: A partir de quando o público em geral terá acesso acervo digitalizado?

Emilie Stoll: Iremos finalizar o projeto em janeiro de 2024 e acreditamos que até o final deste ano poderemos colocar à disposição do público.

Obidos.net.br: O Acervo digitalizado poderá ser acessado via Web? Caso negativo ou afirmativo, de que forma poderá ser acessado?

Emilie Stoll: O projeto não tem recurso para colocar o acervo online. Portanto, em um primeiro tempo, até o final do ano de 2024, a documentação estará disponivél no computador de mesa que deixaremos no Museu Integrado. Isso para termos o tempo de elaborar o catálogo do acervo. Depois, iremos conversar com todos os atores envolvidos para ver a possibilidade de colocá-lo a disposição online.

Obidos.net.br: Os equipamentos utilizados para digitalização foram fornecidos pelo projeto? Caso afirmativo, esses equipamentos ficarão para o Museu?

Emilie Stoll: Os equipamentos foram fornecidos pelo projeto. Trata-se de 3 conjuntos de scaneres com 3 laptops, e um computador de mesa. Todo o equipamento será doado para o Museu Integrado ao final do projeto, justamente para que essas atividades de preservação patrimonial possam continuar sob a responsabilidade dessa instituição. Com o projeto, o Museu ganhou também ar condicionado, grades de segurança no primeiro andar do prédio, além do acervo digital.

Obidos.net.br: Como aconteceu o seu envolvimento no projeto?

Emilie Stoll: Elaborei o projeto junto com o professor Gefferson. Já conhecia Óbidos através da minha pesquisa sobre Paul Le Cointe e, logo que essa oportunidade de projeto surgiu, apontei o Museu como um espaço promissor para desenvolvê-lo. A partir daí, foi o professor Gefferson que tomou a frente da implementação do projeto em Óbidos e que fez toda a interlocução com os membros da ACOB.

Obidos.net.br: Você esteve em Óbidos várias vezes para acompanhar o Projeto. Fale um pouco sobre essa experiência de visitar parte da Amazônia, especificamente Óbidos?

Emilie Stoll: Antes de conhecer Óbidos, já tinha morado uns 5 anos no Pará, em Belém, em Santarém e no rio Arapiuns. Me encantei com a cidade de Óbidos. Achei o ambiente muito singular, pois a cidade e seus edifícios são muito bem preservados. Além de linda, a cidade é habitada por um povo muito acolhedor. Sempre fui muito bem recebida por todos meus interlocutores. É uma terra de muitas histórias que ainda foi pouco estudada, e com acervos históricos muito valiosos e bem preservados. Espero que a digitalização desse grande acervo documental possa continuar através da ACOB após a finalização do nosso projeto.

Obidos.net.br: Você tem previsão de voltar a Óbidos para finalização do Projeto??

Emilie Stoll: Retornarei em agosto de 2023 acompanhada do meu marido que é cineasta profissional. Iremos fazer um vídeo sobre essa experiência para que possa tornar-se um exemplo e, quem sabe, ser replicado em outras comunidades e municípios da Amazônia. E, ainda espero voltar em novembro de 2023, para o evento de encerramento do projeto.

Obidos.net.br: Suas considerações Finais.

Emilie Stoll: Nossa ideia ao propor esse projeto para os moradores de Óbidos foi de capacitar jovens que possam se tornar lideranças em futuros projetos de preservação do patrimônio histórico documental da cidade. Foi muito importante para nós que os obidenses se empoderassem e se apropriassem o projeto. Por isso, todos os membros são de Óbidos. Nós apenas ajudamos com a capacitação, a compra dos equipamentos, as dicas de organização. Mas basta dizer que o projeto é de vocês. E estamos muito satisfeitos com o resultado. Verificamos que vários dos nossos bolsistas cresceram através da sua atuação no projeto. Temos por exemplo uma jovem mulher que entrou com uma bolsa de graduação e ficou tão empolgada que pediu para ser sócia da ACOB e logo irá assumir a vaga de supervisora durante o segundo ano do projeto. Para nós isso é muito importante. Esperamos que esses jovens tornem-se as futuras lideranças culturais do município e possam contribuir a complementar a escritura ou reescritura da história dos diferentes grupos sociais da região.

Por João Canto

FOTOS....

www.obidos.net.brFotos Fornecidas por Emilie Stoll