Por Marcony Alves.
Um estudo arqueológico realizados no âmbito do licenciamento ambiental revela um sítio de grande relevância para a História Antiga da Amazônia no Porto Cantão, ao lado da cidade de Óbidos. O licenciamento ambiental é uma exigência legal que visa amenizar os impactos da implementação de diversas obras públicas e privadas no meio ambiente, em comunidade humanas e no patrimônio histórico e arqueológico. Entre as atividades realizadas no licenciamento, inclui-se a pesquisa arqueológica. O sítio, que recebeu o mesmo nome do porto, foi identificado a partir da prospecção da área da construção da linha de transmissão entre Oriximiná e Parintins. Para surpresa dos pesquisadores, na área onde foi implantada uma das torres foram encontrados vestígios em superfície, provavelmente evidenciados pela construção de um açude.
Atualmente, a localização do sítio é facilmente identificada a partir da cidade, uma vez que foi construída uma grande torre de linha de transmissão de energia elétrica onde ele está situado. O sítio é importante porque apresenta uma camada inédita de solo do tipo “terra preta índio” coberta por quase um metro de terra com poucos vestígios. A camada de terra preta estava repleta de cerâmica com pintura e decorações plásticas, características do é chamado em arqueologia de tradição Pocó-Açutuba,
A área próxima do Porto Cantão foi escolhida para a passagem da linha de transmissaão por causa do estreitamento do curso do rio Amazonas, característica estratégica para o projeto. Da mesma forma, é possível que os indígenas do passado podem ter escolhido esse mesmo lugar considerando a altura do barranco e a proximidade da garganta do rio.
Em agosto de 2020, a equipe de arqueologia realizou uma ampla escavação no sítio Cantão. A profundidade da escavação chegou até quase três metros de profundidade, revelando uma marcada camada de terra preta. Nas últimas três décadas, as pesquisas em arqueologia e ciências da terra têm demonstrado que a terra preta foi produzida pelos indígenas antes da colonização europeia. Trata-se de um solo de cor muito escura e com alta fertilidade que as antigas populações indígenas geravam a partir do descarte de matéria orgânica e restos de fogueira – uma forma de compostagem. Esses solos gerados pela ação humana começaram a ser produzidos entre cinco e sete mil anos atrás em Rondônia, mas sua criação se disseminou na Amazônia apenas por volta do ano 500 a.C.
Muitas das cidades da Amazônia, como Santarém ou Óbidos, e comunidades ribeirinhas foram construídas em cima de lugares onde viveram povos indígenas por milênios. A reocupação desses lugares mistura as camadas de solo e os vestígios deixados no solo, tornando mais difícil o estudo arqueológico. As antigas aldeias indígenas Pocó-Açutuba podem datar de até três mil anos atrás – mil anos antes de Cristo .
Os povos da tradição Pocó-Açutuba têm sido vinculados a disseminação da prática de produzir terra preta em toda a Amazônia. Acredita-se que esse conhecimento de práticas agrícolas quase se perdeu com os impactos devastadores da colonização europeia no século XVII. Apesar disso, os Kuikuro, no Alto Xingu (MT), são dos poucos povos indígenas do presente que ainda produzem esse solo altamente fértil.
A tradição cerâmica Pocó-Açutuba é encontrada em diferentes áreas da Amazônia, desde as imediações de Porto Velho (RO) e Tefé (AM) até o estado de Roraima e a cidade de Santarém (PA). A hipótese mais aceita hoje é de que a ampla ocorrência da tradição Pocó-Açutuba está relacionada à dispersão milenar de povos falantes de línguas da família linguística Arawak na Amazônia. Atualmente, existem vários povos falantes de línguas Arawak, como os Terena e Palikur, mas a maioria não vive no Baixo Amazonas. Uma família linguística reúne várias línguas diferentes, que tiveram uma origem comum, por exemplo, português, italiano, espanhol e francês tiveram origem no latim.
Os milhares vestígios arqueológicos encontrados (incluindo fragmentos de cerâmica, pedras lascadas, ossos de animais, carvão e sementes queimadas) mostram práticas cotidianas como o consumo de animais de casco. O estudo da cerâmica antiga mostra uma série de decorações elaboradas, incluindo a característica pintura vermelha sobre uma camada de tinta branca (tabatinga). Impressões de corda, de cestos e esteiras são visíveis em fragmentos de cerâmica mostrando vestígios do conhecimento do traçado de palha. Contas de colar feitas em pedra e instrumentos usados em sua produção indicam os cuidados com o corpo e a estética. Uma semelhança inesperada foi identificada no estudo da cerâmica. Ao contrário do que se esperava, há uma grande semelhança com o que foi identificado no sítio arqueológico Teotônio, às margens do rio Madeira em Rondônia, localizado há mais de mil quilômetros de distância.
Em 2022, a equipe do Projeto Arqueologia Pré-Colonial do Baixo Amazonas composta por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), retomou a pesquisa a partir de uma área próxima do Porto Geretepaua, uma área para onde o sítio arqueológico parece se estender. As datações das camadas arqueológicas são feitas a partir de carvões com o método do carbono 14. Ainda não há datações para o sítio Cantão, mas serão realizadas em 2025, como parte do Projeto Arqueologia Pré-Colonial do Baixo Amazonas.
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http://obidos.net.br/index.php/noticias/7440-sitio-arqueologico-identificado-no-porto-cantao-em-obidos-pode-reescrever-a-historia-antiga-da-amazonia#sigProId9c13df5956
www.obidos.net.br – Texto e fotos de Marcony Alves e Matis Consultoria