É TEMPO DE COPA DO MUNDO

É TEMPO DE COPA DO MUNDO

Haroldo Figueira.

Como sói acontecer de quatro em quatro anos, ocorrerá dentro de poucos dias, desta vez na Rússia, mais um torneio da Copa do Mundo de Futebol.  O campeonato – que teve início em 1930, no Uruguai – já vai para a sua 21ª edição. Na realidade deveria ser a 23ª, não fora as interrupções de 1942 e 1946, por conta da Segunda Grande Guerra.

Milhões de espectadores, nos seis continentes, terão suas atenções voltadas para a competição. Justifica-se tamanho interesse. Os apelos lúdico e de encantamento do futebol, transformam-no em um espetáculo palpitante, que se torna ainda mais atraente por conta: a) da imprevisibilidade do resultado - nem sempre a melhor equipe vence; e, b) da plasticidade das  jogadas - o voleio, o lençol, a caneta, o rabo de vaca, a bicicleta, o bate-pronto, a trivela, o drible, culminando com o estufar das redes, levam o torcedor ao delírio.  

No Brasil, a expectativa gerada pelo evento costuma revelar-se das mais intensas e apaixonadas, mobilizando pessoas de todas as idades. A explicação para essa espécie de idolatria talvez resida no fato de a população do país não possuir muitos feitos extraordinários a comemorar em outras atividades e canalizar o orgulho nacional para as habilidades futebolísticas dos nossos atletas, arte que os brasileiros dominam como poucos e que parece trazida do berço.

Sou um dos incontáveis aficionados que, com renovado e esperançoso entusiasmo, acompanha a realização do certame. Faço isso há bastante tempo, embora lamente não poder dizer “desde que me entendo como gente”. Esclareço. Nascido e criado no interior, onde a chegada do progresso acontece com atraso, o único meio de comunicação disponível, durante boa parte de minha infância, era o rádio movido à bateria (a tecnologia do uso de pilhas ainda não existia e o fornecimento de energia elétrica ia de 18:00 às 22:00 horas), objeto de consumo, a princípio, de difícil acesso para a grande maioria da população.

Só em 1958, aos 12 anos, tive a chance de assistir a uma Copa.  Dei muita sorte. Coincidiu de uma família de comerciantes e fazendeiros alenquerenses, para a qual meu pai fazia a escrita contábil, convidar-me para passar as férias de junho em sua fazenda, localizada no Paraná de Alenquer. Lá havia um potente aparelho radiofônico que transmitia os jogos. Fui duplamente gratificado: a) com a emoção de torcer pelo Brasil; b) com o prazer de festejar a conquista do primeiro título mundial da nossa seleção.

Algum tempo mais tarde, com a popularização do rádio em nosso país, a simpatia pelo futebol - notadamente quando envolve apresentações da seleção- só fez expandir-se e ganhar adeptos. Famílias, amigos, vizinhos, moradores da mesma rua, passaram a reunir-se em torno do aparelho receptor para torcer juntos nos jogos do time canarinho, iniciativa que virou hábito e que perdura até hoje, tendo mudado, apenas, o meio comunicação.

Preponderantemente, o desenrolar das partidas chegava até os ouvintes via radiodifusoras do eixo Rio/São Paulo, veiculadas pelas vozes de locutores como Waldyr Amaral e Jorge Cury, da Rádio Globo, criadores de bordões inesquecíveis do tipo:“o relógio marca”, “indivíduo competente o Rivelino”, “tem peixe na rede da Itália”, “passa de passagem pelo marcador”, “é a última volta do ponteiro”. Os radialistas caprichavam nas narrações e a imaginação dos espectadores cuidava de dar forma e movimento ao que lhes era repassado.

A ansiosa audiência podia contar, subsidiariamente, com as ponderações bem articuladas de comentaristas do porte de um Luiz Mendes ou de um Ruy Porto, cujos pontos de vista ajudavam a esclarecer as circunstâncias do jogo. Dispunha, ainda, das intervenções um tanto histriônicas do analista de arbitragem Mário Vianna, famoso por validar as bolas na rede com o brado: “goool legal!”. Não havia exagero, pois, na avaliação da emissora carioca acerca do impacto de suas transmissões no público ouvinte: “é como se você estivesse à beira do gramado”, diagnosticava. A sensação era essa, mesmo.

De 1958 em diante, ainda que virtualmente – de início, na condição de rádio-ouvinte e, mais tarde, como telespectador – assisti a todos os demais certames em que a seleção sagrou-se campeã. Preservo na memória até hoje muitas lembranças dessas conquistas, dentre as quais a escalação das equipes, a eficiência defensiva do Nilton Santos, os dribles desconcertantes do Garrinha, os lances geniais do Pelé, o vigor físico e os arremates certeiros do Jairzinho, os lançamentos longos e precisos do Gerson.

 Meu desejo seria nominar, um por um, os jogadores campeões. Até por uma questão de justiça, visto que o mérito dos triunfos coletivos pertence ao grupo como um todo. Fazê-lo, porém, implicaria estender-me em demasia. Sem desmerecer os demais, limito-me a citar os atletas que, em minha opinião, sobressaíram-se em cada copa: Pelé, Didi, Bellini, Nilton Santos, Garrincha e Vavá, em 1958; Garrincha, Mauro,  Zito, Didi, Zagallo e Amarildo (que substituiu à altura o Pelé machucado), em 1962; Pelé, Rivelino, Gerson, Tostão, Jairzinho, Carlos Alberto, em 1970; Tafarel, Dunga, Bebeto e Romário, em 1994; Cafu, Ronaldinho, Ronaldo e Rivaldo, em 2002.

Enalteci os êxitos. No entanto, para a narrativa ficar completa é preciso falar dos fracassos também.  Perder dói, mas o sofrimento passa com o tempo. Quase todas as derrotas decisivas tiveram por destino o esquecimento. Menos três: a de 1950, (2 x 1, para o Uruguai, na inauguração do Maracanã); a de 2014 (os fatídicos 7 x 1, para a Alemanha); e a de 1982 (3 x 2 para a Itália), a mais imprevisível e desalentadora de todas.

Sim, porque não passava pela cabeça de ninguém que um elenco tão qualificado, tido por 10 entre dez 10 jornalistas ou torcedores como forte candidato ao título, formado por craques da estatura de um Zico, de um Sócrates, de um Falcão, de um Éder, de um Cerezzo, de um Júnior e outros do mesmo nível, pudesse ser desclassificado tão cedo. O inesperado aconteceu. Nada obstante, a frustração com o insucesso não foi capaz de ofuscar as belas recordações de um futebol altamente técnico e bem jogado. A equipe de Telê Santana não subiu ao pódio, mas ganhou um lugar na história.

Em 17 de junho próximo a camisa amarela entra em campo novamente. O time é bom, bem preparado técnica, tática e fisicamente. Desponta como um dos favoritos, ao lado da Alemanha, Espanha, França e Argentina- e quiçá da Bélgica - para levantar o troféu de campeão. Torço para que os jogadores não percam a concentração, deem o melhor de si e voltem para casa com o caneco na bagagem, para a alegria do povo brasileiro. Boa sorte seleção! E que venha o hexa!

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