O Dia em que eu chorei diante de uma tela de Antônio Bandeira

O Dia em que eu chorei diante de uma tela de Antônio Bandeira

Fernando Canto.

No dia em que eu chorei diante de uma tela de Antonio Bandeira, no Museu da Universidade, fiquei até com vergonha do púbico presente. Chorei, como dizem, copiosamente (Até hoje não sei porque falam isso, mas desconfio que é porque uma lágrima copia a outra). Que vergonha! Era apenas uma tela abstrata que explodia em cores, excelentemente pintada pelo famoso artista plástico cearense. Uma tela que falava de uma chuva de neve na Europa, onde ele viveu. Nela, o branco e o azul predominavam sobre os outros tons.

Chorei tanto que o curador da exposição me convidou para chorar no banheiro. Como eu recusei, ele mandou os seguranças me botarem para fora.

E lá fora eu continuei chorando no calor, vertendo um choro esquisito, um choro que jamais chorei em outra exposição. Não que eu me lembre. E olha que eu era chorão. Mas dessa vez eu estava mais sensível que todas, mais sensível do que naquela vez no Louvre quando inevitavelmente me derramei em prantos diante da mais bela e magnética tela que já vi em toda a minha vida: a Gioconda, de da Vinci.

Malditos! Sempre me botam pra fora das exposições de obras de pintores famosos.

Malditos! Não sabem que meu choro não é fingimento, pois eu não sou ator e muito menos produtor de pegadinhas para a televisão.

Malditos! Insensíveis! À flor da epiderme estão ouriçados pelos, e no peito bate um coração magoado e eles não sabem disso. Vão logo expulsando a gente e mandado olhar as pinturas de grafite, como se os pintores das ruas não soubessem pintar em sua linguagem pura e não acadêmica.

Bandeira é Bandeira, não o poeta, mas o pintor, este que eu só conhecia de ver catálogos impressos ou fotos repetidas em revistas de arte.

Antônio Bandeira não é o ator espanhol muito menos o dono do bar da esquina, mas o artista que me convida e me move a seguir seus quadros até chorar de paixão, pois nos seus traços eu nasço, vivo e morro na dimensão dos pigmentos e reentrâncias de cada pincelada decidida bruscamente. Ao olhar suas telas explodo minhas memórias e paixões de um tempo em que me encontrava entre o poder da escolha e o despoder de ficar ilhado em angústias. Um tempo de decisão de amar ou seguir, de me entregar ao insondável ou de viver. Contudo, meu sonho de viver era apenas uma paisagem tátil num horizonte tênue, enevoada pela ausência de razão com seu cromatismo cinza, que de repente encontrou na tela de Bandeira o dia nascente, a tarde e a noite iluminada. Por isso choro. E os curadores da exposição não deixam que eu me cure em nome da arte.

Malditos curadores!

Adicionar comentário


Código de segurança
Atualizar