Fernando Canto*.
Nos textos abaixo quero fazer o contraponto sobre este assunto. O primeiro deles reflete o que eu pensava há cerca de dez anos (texto esse que foi publicado no meu blog “Canto da Amazônia” e em um jornal da local, em 2010) e o segundo surge me influenciando a aderir os livros digitais, mas sem pressão, afinal sou um escritor, um produtor de textos, e não um comerciante de produtos eletrônicos.
A título de orientação, causada pelo convite a uma palestra onde o livro impresso e o digital são os elementos principais, coloquei no segundo texto referências diversas que se encontram entre aspas, mas sem fonte, pois foi o pensamento de outros autores que me fizeram contextualizar o tema, por isso resolvi colocá-los aqui.
- ADORADORES DO LIVRO IMPRESSO
Desde o surgimento dos computadores pessoais que ouço falar no fim do livro impresso. E já se vão anos.
Cientistas falam de um mundo novo, de substituição de tecnologias, e apontam como exemplo a revolução sem igual na história que foi a invenção do livro impresso por Gutenberg, pois antes disso só havia livros copiados, manuscritos que valiam fortunas.
Jornalistas e especialistas em C&T falam sobre o assunto, enfatizando a informação de que a revolução citada acima já acabou há cerca de 20 anos, “quando a internet começou a crescer para valer”, e que ela passaria uma borracha na história do papel impresso e começaria outra. Uma revista cita que “os 7 milhões de volumes que a Universidade de Cambridge mantém hoje nos 150 quilômetros de prateleiras de suas várias bibliotecas caberiam em quatro discos rígidos de 500 bytes. Só quatro. Sem falar que ninguém precisaria ir até Cambridge para ler os livros”.
Mas apesar disso tudo a internet não mudou muito a história dos livros. Permanece um mistério inexplicável. O livro não foi morto nem enterrado. A revista Superinteressante diz que o segundo negócio online que mais deu certo (depois do Google) é uma livraria, a Amazon. E informa também que o mercado de livros eletrônicos deslanchou nos E.U.A com vendas em torno de 350 milhões de dólares em 2009, sendo que em 2008 elas atingiram um patamar inferior a 150 milhões.
Concordo que ler um livro no computador é um negócio ruim, até mesmo insuportável, porque ler por horas numa tela é o mesmo que ficar olhando uma lâmpada acesa. Não há quem aguente. Porém, já apareceu (há dez anos) o primeiro livro realmente viável: o Kindle, da Amazon, que cabe 1.500 obras e só pesa 400 gramas. Tem tela monocromática e pequena. Ele não emite luz e a tela é feita de tinta, preta para as letras e branca para o fundo. Depois apareceu o iPad, da Apple, que segundo a revista citada, “tudo o que o Kindle tem de péssimo este tem de ótimo: tela enorme, colorida, páginas que você vira com os dedos, sem botão como se estivesse com um livro normal, mas a tela é de LCD. Não dá para ler um romance inteiro nele”.
Agora dezenas de empresas estão trabalhando para unir o que os dois têm de melhor, até chegarem ao livro eletrônico perfeito. A Phillips, por exemplo, desenvolveu o protótipo Liquavista, com tela de tinta colorida e a Pixel Qi um com LCD sensível ao toque, mas que não emite luz, de acordo com a informação da Superinteressante. Outra forma de ler livros, como se sabe bem, são os que estão nos aplicativos de livros digitais, por meio de smartfones, tablets e e-readers (Um e-reader é nada mais do que um leitor de livros digitais. Um pequeno aparelho que tem como função principal mostrar em uma tela para leitura o conteúdo de livros digitais (e-books) e outros tipos de mídia digital. Ele possui a melhor tecnologia disponível para leitura de livros digitais).
Mas enquanto o “livro perfeito” não vem, vou fazendo como os adoradores de livros impressos o fazem sem pestanejar: curtir meu afeto por eles.
Quantas pessoas, apaixonadas ou não, já não guardaram dentro deles flores, folhas, e até mechas de cabelos que lhes trazem boas lembranças, de amores e de desilusões? Folheá-los pode significar o encontro com algumas cédulas de real guardadas por acaso para uma ocasião e esquecida sem querer. Arrumá-los na estante é um trabalho que nunca dá preguiça. Lê-los, é, sobretudo, apreender e conhecer o legado da Humanidade. No livro eletrônico essas historinhas bobas de quem ama os livros não seriam possíveis. Há alguns senões, como o acúmulo de poeira nos livros mais antigos e não manuseados que fazem um estrago nos leitores que têm rinite alérgica. Mas isso faz parte do negócio de quem gosta de ler.
Quando recebo um novo livro meu da editora que o publicou, confesso do prazer de senti-lo ao tocar sua capa e abrir suas páginas, de ver impresso um trabalho de anos, da satisfação de tê-lo nas mãos e de saber que iria compartilhar com meus queridos leitores viagens imaginárias, informações e opiniões que deixei escritas em um objeto vivo, que todos podem, como eu, acariciar e carregar nas mãos. Mas eu sei do carinho que tenho por todos os outros que estão na minha biblioteca. E olhe que não são poucos. Conheço cada um deles, afinal me acompanham sempre. Uns de muito tempo e outros mais recentemente. Alguns foram roubados outros não encontraram a volta, mas certamente serviram de guia para quem não devolveu. Ler e escrever, para mim, é um processo litúrgico, um ritual de imaginação criativa.
Que venha o livro digital com suas facilidades. Tudo muda, mas o livro impresso ainda é “o cara”.
- A CONTEMPORANEIDADE E OS LIVROS
Estamos hoje passando pela chamada 4RI, ou Quarta Revolução Industrial. Viajamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.
A economia passou por três processos anteriores: a primeira com a Revolução Industrial surgida na Inglaterra entre 1780 e 1830, a segunda aparece na segunda metade do século 19, com a invenção do motor à explosão, o uso do petróleo, o telégrafo, da produção em série e em massa. A terceira ocorre nos meados do século 20, com as telecomunicações, os computadores eletrônicos, a internet e a digitalização de dados. O Banco mundial chama a terceira Revolução Industrial de Revolução da Informação. Na definição da Entidade, a 4RI também poderia ser chamada de segunda Revolução da Informação. Há quem diga, entretanto, que as transformações atuais não representam uma extensão da terceira revolução industrial por três grandes razões: a velocidade, o alcance e o impacto. Por isso a velocidade dos avanços não tem precedentes na história e está interferindo em quase todos os países.
Fiz este preâmbulo para adentrarmos na contemporaneidade, ou seja na mesma época em que vivemos, como se verdadeiramente não ficássemos pasmos com a velocidade das descobertas científicas e as novas tecnologias que surgem em todos os fazeres humanos. Afinal, foram necessários milhares de anos para que fosse inventada a escrita e as formas de sua conservação. Agora tudo caminha em nossa frente com acesso relativamente fácil, principalmente nos sistemas de ensino.
Porém, devemos dizer que essa facilidade também limita o aprendizado por causa da velocidade da informação e ainda pelo seu reducionismo, nas notícias que recebemos da televisão, do Rádio e dos sites, onde o capitalismo respira a sua máxima de que “tempo é dinheiro”. Muito mais ainda é a indolência dos usuários das redes sociais, que, aliás, somos todos nós que as utilizamos para nos comunicar nesta época. Com isso também adveio não só a redução das palavras como um verdadeiro assassinato do idioma português, que por estar assim torna nossa identidade mais vulnerável no seu aspecto cultural.
Arnaldo Niskier, acadêmico da Academia Brasileira de Letras, conta que em recente evento educacional no Rio de janeiro o engenheiro e doutor em Ciências da Computação da UFPE, Sílvio Meira, disse que “O principal inimigo do livro impresso não é livro digital, mas os games e as redes sociais que faturam hoje bilhões de dólares”. Mostrou que a procura por games dobrou de 2011 para cá, chegando a 142 horas por ano por pessoa. Afirmou ser decrescente o faturamento em livros impressos e que os digitais constituem um instrumento precioso de sustentação do fenômeno da leitura. O programa que mais cresce é o chamado “Angry birds”, com 30 milhões de jogadores por dia, e o Facebook é um ambiente com 1 bilhão de usuários. São números extraordinários, que tendem a crescer quando for lançado, até o Natal, o Kindleda Amazon, um sistema inteiro que irá balançar o livro tradicional. Não terá propriedade intelectual e entrará livremente nas bibliotecas das escolas. A previsão de Sílvio Meira, é de que muitas livrarias, a partir daí, poderão quebrar, embora os livros de conteúdos, com funcionalidade, devam ter uma grande sobrevida.
O escritor Muniz Sodré, que foi presidente da Biblioteca Nacional. Especialista em Comunicação, demonstrou que “do impresso nasceu uma nova economia do tempo de aprendizagem”. Quando a oralidade era predominante, não se precisava do livro para pensar e debater. Passou pelo conceito de hipertexto (é a complementaridade dos textos) e classificou a internet como a realização tecnológica do intertexto, “onde leitor é incitado o tempo todo à livre navegação dos bytes, ao veloz nomadismo do hipertexto, sem contas a prestar ao autor.”
Para ele, não se está assistindo ao fim da forma-livro, mas à sua continuidade em outro suporte material, como assinala Umberto Eco, para quem o livro é uma invenção definitiva. Com o digital abrem-se outras possibilidades para a interatividade. Muniz defende a existência de uma “ciberliteratura”, criticou os nossos escassos índices de leitura e revelou a existência, no Brasil, de um descompasso pedagógico frente à ascensão dos novos modos de ler, que incidem justamente sobre as práticas juvenis de interpretação de textos no âmbito de escrita digital.
Ficou no ar a convicção de que o livro não morrerá, mas ganhará novos e ampliados contornos.
“Mas como vivemos uma era extremamente digital, hoje, quase tudo em nossas vidas – principalmente para as crianças que nasceram nesta geração – se alinha tecnologicamente com algo. Não poderia ser diferente com a leitura. Partindo desse entendimento, uma pergunta surge na mente de educadores e pais: qual é a melhor opção para as crianças e adolescentes, livro digital ou impresso?
Antes de responder a essa questão, é preciso entender que temos não apenas livros, como também quadrinhos, jornais e revistas, em versões digitais.
Pensando nisso, vamos partir da ideia de que leitura é leitura, independentemente do modo como é praticada. Quando se trata dessa atividade, não existe pior ou melhor, afinal, os resultados da leitura dizem respeito ao ato de ler e não ao meio utilizado para isso” (Blog Árvore de Livros).
Ler um livro é uma atividade que mexe com todos os sentidos, recupera memórias afetivas e nos leva para outro lugar. Por isso, para algumas pessoas a leitura é um ritual, e por isso, por ter sequência lógica, finita e definida de instruções que devem ser seguidas para executar uma tarefa, trata-se de um algoritmo, algo que está em toda parte, inclusive no nosso cotidiano, sem mesmo que o percebamos.
Tudo isso nos leva a reflexões sobre a questão da cultura política quando transferimos para essas inteligências artificiais o que somos e o que queremos na realidade, pois cada revolução industrial trouxe melhorias na qualidade de vida em relação ao passado, aumentando, inclusive nossa expectativa de vida. Agora depende de nós, seres humanos, seres leitores em busca de lazer e de conhecimento, descobrir aonde queremos chegar e como a gente quer chegar. Da minha parte eu parto para a leitura do mundo, seja lá como for, de forma digital ou impressa, vou ler e refletir como um velho filósofo pitagórico.
(*) Subsídios para uma palestra na Biblioteca Central da UNIFAP em 30 de outubro de 2019, por ocasião da Semana do Livro.