O DIA QUE O NAVIO CANTOU PNEU!

O DIA QUE O NAVIO CANTOU PNEU!

Por Jorge Ferreira

Eu hoje deparei com um lindo vídeo, feito por funcionários da empresa Elecnor ou de alguma terceirizada, que executa essa obra maravilhosa do linhão de energia, que atravessa nosso caudaloso rio Amazonas em frente a cidade de Óbidos, publicada na página do Facebook de Adailson Mamede Queiroz, a quem peço permissão para compartilhar aqui. Imagem que me deixou impressionado com o avanço tecnológico, com o contraste da tecnologia e a grandeza bruta da Amazônia, a exuberância da região que a gente vive, fantástica as imagens realmente. O que me levou a pensar em um velho causo e resolvi narrar pra vocês. Essa história é atribuída ou saudoso Manoel de Souza Matos, bem mais conhecido como Gito Matos.

Seu Gito era uma pessoa de baixa estatura, porém muito forte, levava uma saca de farinha no ombro do Mercado Municipal até a porta da sua casa, na esquina da Av. D Floriano com a travessa Marechal Rondon, sem arriar uma única vez, homem trabalhador, rústico, levava a vida pescando e trabalhando no “pesado”, chefe de família exemplar, casado com a saudosa D. Maria Carvalho de Matos, mais conhecida como D. Maruquita, esposa exemplar, que dedicou sua vida a familia e Capela de Lourdes, com quem teve vários filhos, todos conhecidos na nossa velha cidade.

Amigos como Zé Matos, o “Vovô”, saudoso Olívio Matos, Edilson, o “Dega”, Lurdinha, Odilon, Oscar, Oiran, Olindo, todas pessoas muito queridas dentro da nossa sociedade e avô de meus diletos amigos, Mário Olívio Matos e Edilson Matos Junior, o Deguinha, também chamado de “Bolica”. Que constantemente ascendem uma churrasqueira em baixo da mangueira na sua borracharia, e coitado do amigo que pare lá, esse é imediatamente multado em uma caixinha da melhor cerveja, e ainda dizem: - Se não der para ser puro malte melhor, mas tomamos polar também.

Gito Matos era um cara muito gozador e muito cheio de Histórias, contador de anedotas, frequentador dos mais ilustres da confraria do Sacaca, humor esse herdado por deu filho Dega e seu neto Deguinha.

Dentre essas histórias atribuídas a ele, tem esta do dia que foi pescar na região do Paru. Nesse tempo usavam as canoas a vela, as mais luxuosas equipadas com um Japá, geralmente as pessoas colocavam os produtos que necessitavam como lamparina, farinha, rede, sal, uma garrafa da “mardita” para espantar o frio, o tabaco velho de guerra para matar o tédio, os equipamentos de pesca e saíam para os lagos, nesse caso os lagos de “cima”, passando a região do Paru. Passavam vários dias fora de casa, salgavam o produto do trabalho, depois retornavam pra vender e assim garantir o sustento de sua família. Seu Gito fazia isso constantemente, e em uma dessas viagens deu sorte, muito peixe, logo conseguiu abastecer da quantidade de pescados que necessitava, preparou para o retorno no dia seguinte, cedo meteu tudo na canoa e saiu no rumo de Óbidos, vendo que passava uma bola de capim, característica da época da cheia, e o rio já estava correndo bastante, meteu sua canoa no meio da bola e deixou que a própria correnteza o levasse na direção de Óbidos, tomou umas cinco “lamparinadas” de cana, meteu o remo atrás do banco, como era característico naquela época, formando assim o apoio das costas como se fosse o encosto de uma cadeira, costume que dava mais conforto ao corpo cansado da lida.

Aproveitando a frescura da brisa, a sombra do Japá, juntamente com a força da pinga, logo se descuidou e deu aquele famoso cochilo, roncou bastante e no momento em que despertou viu que vinha um “Loyde”, como eram chamados os navios cargueiros daquele tempo, na sua direção, e percebeu que teria problema pois naquela época essas embarcações faziam muito “banzeiro” e as canoas não tinham um desenho que lhe permitisse enfrentar essas maresias sem risco, como as canoas de hoje. Então teve a seguinte ideia, correu pra proa da canoa, pegou o mará que equipava sua igarité, uma vara comprida que toda canoa possuía naquela época, e começou a afincar bem no meio do rio amazonas, dando entender que aquela bola de capim era na verdade uma “ilhota”, fazia gestos como se estivesse ali em uma região baixa, afincando a vara para amarrar sua canoa, batia com ponta dela na água na frente da canoa, no meio do capim, sacudia pro lado e pro outro, puxava de volta como se desenterrasse, e batidos novo. O certo é que dá 10ª afincada para frente ele percebeu a mudança do som do motor da enorme embarcação que vinha em sua direção, percebeu então que o navio estava dando ré, e reproduzia com a sua boca o barulho do motor: GHOU, GHOU, GHOU... Logo veio um barulho ensurdecedor do atrito da corrente no casco do navio que o transformou em um grande sino, repetindo o som com a boca “TRIIIIMMMMM” imitando o barulho característico de quando se jogava o prumo na água para medir a profundidade do rio, pois naquela época não havia sonar ou outros equipamentos modernos que hoje permite uma navegação muito mais segura, com a medição precisa da profundidade do rio. As embarcações entravam no Amazonas com os famosos práticos, que eram exímios conhecedores da navegação e guiavam os Navios de salinas até Manaus, que sabiam mais do que ninguém, que o Rio Amazonas muda seu leito constantemente. O certo é que quando sua canoa passava ao lado do enorme navio parado no meio do rio, viu que um marinheiro colocou a cabeça para fora, e do fundo do peito saltou o maior grito da sua vida:

- “FILHO DUMA PUTA”!

Baixinho o Gito Matos respondeu:

- Vai te fudendo pra lá!

Certa vez indaguei a seu filho Dega se a história do navio que o Gito Matos parou era verdade, ele me respondeu:

- Não que não, o Gito Matos era pouco “escroto”, botou o navio para cantar pneu!

Óbidos Pará, 08/10/2022
Jorge Ary Ferreira

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