Por Edilberto Santos.
Imponho-me o desafio de agasalhar no apertado espaço deste artigo, o tema aqui proposto (dízimo) que é vasto e objeto de conferências de mais de uma hora, daqueles estudiosos da bíblia que se debruçam em profundidade na análise dos fatos e momentos ali narrados.
Sem entrar no mérito de ser o dízimo parte da consciência religiosa dos leitores, volto-me apenas para aqui comentar a origem histórica do dízimo; quando surgiu; como e para que surgiu, deixando de lado a análise da finalidade de suas cobranças pelas instituições religiosas, tomem estas a denominação que tomarem.
Traçado este balizamento puramente histórico, temos que o dízimo tem origem na tradição judaica e não na tradição cristã o que afasta, a meu sentir, a obrigatoriedade do fiel cristão de qualquer denominação religiosa, de contribuir de forma compulsória com o dízimo sob o argumento de que esta cobrança está assentada na bíblia como obrigação do cristão, até porque, quando o dízimo foi instituído não existia sequer o cristianismo que passou a existir após Jesus.
A história do povo Hebreu narra que Moisés conduziu esse povo que estava cativo no Egito para a terra prometida por Deus, Canaã, nome alusivo a Cã, filho de Noé a quem se atribui a origem dos Cananeus conforme nos informa Gênesis, 10, e nessa condução difícil e tormentosa, Moisés contava com a ajuda de um jovem hebreu que seria, podemos assim dizer, seu “lugar-tenente” e que lhe auxiliava diretamente na difícil empreitada determinada por Deus, de nome JOSUÉ.
No final da jornada quando já estava à vista a cidade de Jericó, primeira cidade que seria tomada pelos hebreus, Moisés faleceu e JOSUÉ assumiu seu lugar, previamente referendado pelos anciãos e pelo próprio Moisés antes de morrer, obviamente, passando a deter o comando do “povo de Deus”.
Após a queda de Jericó e tomadas outras áreas da região, coube a JOSUÉ a partilha do território entre as tribos de Israel que sabemos eram 12 (doze), porém, JOSUÉ por inspiração e determinação divina, distribuiu as terras somente entre 11 (onze) tribos ficando fora desta distribuição a tribo de LEVI cujos membros eram chamados de LEVITAS, e que receberam de Deus a incumbência transmitida por JOSUÉ, de se dedicarem ao templo religioso como sacerdotes, diáconos, enfim, às atividades necessárias para a manutenção da religião monoteísta pregada por MOISÉS e por JOSUÉ.
Vale lembrar, que ambos recebiam ordens e instruções diretamente de Deus como sói acontecer com os Dez Mandamentos passados a MOISÉS, e que assim visavam esses dois ilustres personagens (Moisés e Josué) afastar o povo hebreu dos vícios e costumes religiosos politeístas aprendidos no Egito.
JOSUÉ efetuou essa distribuição de terras e as tribos partiram para suas novas moradas, mas, ficou a questão seguinte: como prover as necessidades materiais dos LEVITAS?
Eles, os LEVITAS, receberam como herança de Deus não terras, mas, sim, a própria guarda divina e sua subsistência seria garantida pelas demais 11 (onze) tribos, que obrigatoriamente destinavam a décima parte de tudo o que fosse produzido nas terras, fosse grãos, animais, frutas, vinhos etc. para os LEVITAS, e que eram levados ao templo uma vez por ano, conforme o mês de produção e assim, todas as necessidade dos Levitas eram satisfeitas com PRODUTOS DA TERRA e jamais com DINHEIRO.
Importante observar o “dízimo” nesse contexto histórico, ciente de que contexto significa mostrar as circunstâncias que estão ao redor de um fato, e nesse sentido o “dízimo”, que não era assim chamado na época, foi instituído não somente por razões religiosas, mas, também, como tributo em uma organização administrativa estatal que hoje poderíamos chamar de teocrática, onde “Yahveh” seria o chefe de Estado, os Levitas chefes de Governo e o Templo seria vamos assim dizer, a sede do Governo Central para onde deveriam ser destinados os “tributos”, constituídos da décima parte do que fosse produzido na terra que foi dada aos hebreus por Deus.
Depois desse momento histórico, após idas e vindas de guerras perdas e reconquistas de territórios, foi instituída a Monarquia tendo sido SAUL o primeiro rei de Israel, com nova forma tributária.
Esta regra (“dízimo”-décima parte) pode ser confirmada em Deuteronômio 18, 1 a 8 como seja:
- Os sacerdotes levitas, toda a tribo de Levi, não terão parte nem herança com Israel; das ofertas queimadas do SENHOR e da sua herança comerão.
- Por isso não terão herança no meio de seus irmãos; o Senhor é a sua herança, como lhes tem dito.
- Este, pois, será o direito dos sacerdotes, a receber do povo, dos que oferecerem sacrifício, seja boi ou gado miúdo; que darão ao sacerdote a espádua e as queixadas e o bucho.
- Dar-lhe-ás as primícias do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e as primícias da tosquia das tuas ovelhas.
- Porque o Senhor teu Deus o escolheu de todas as tuas tribos, para que assista e sirva no nome do Senhor, ele e seus filhos, todos os dias.
- E, quando chegar um levita de alguma das tuas portas, de todo o Israel, onde habitar; e vier com todo o desejo da sua alma ao lugar que o Senhor escolheu;
- E servir no nome do Senhor seu Deus, como também todos os seus irmãos, os levitas, que assistem ali perante o Senhor,
- Igual porção comerão, além das vendas do seu patrimônio.
Vejam também o que está dito em NÚMEROS 18, 25/32: (bíblia on line)
E falou o Senhor a Moisés, dizendo:
26 Também falarás aos levitas, e dir-lhes-ás: Quando receberdes os dízimos dos filhos de Israel, que eu deles vos tenho dado por vossa herança, deles oferecereis uma oferta alçada ao Senhor, os dízimos dos dízimos.
27 E contar-se-vos-á a vossa oferta alçada, como grão da eira, e como plenitude do lagar.
28 Assim também oferecereis ao Senhor uma oferta alçada de todos os vossos dízimos, que receberdes dos filhos de Israel, e deles dareis a oferta alçada do Senhor a Arão, o sacerdote.
29 De todas as vossas dádivas oferecereis toda a oferta alçada do Senhor; de tudo o melhor deles, a sua santa parte.
30 Dir-lhes-ás pois: Quando oferecerdes o melhor deles, como novidade da eira, e como novidade do lagar, se contará aos levitas.
31 E o comereis em todo o lugar, vós e as vossas famílias, porque vosso galardão é pelo vosso ministério na tenda da congregação.
32 Assim, não levareis sobre vós o pecado, quando deles oferecerdes o melhor; e não profanareis as coisas santas dos filhos de Israel, para que não morrais.
Aqueles que tivessem terras distantes e que por isso se mostrasse inviável trazer os produtos ao templo, tinham permissão para vender seus produtos oriundos da terra, comprar os mesmos produtos e levá-los ao templo para os LEVITAS em honra e glória a Deus, e essa entrega era cercada de cerimonial.
Vale observar, que aqueles que não obtinham seus sustentos da terra, não eram obrigados a “dizimar” somente assim o fazendo voluntariamente, o que vale dizer, que os comerciantes, os prestadores de serviços como sapateiros, alfaiates, fabricantes de tendas etc. etc. não tinham essa obrigação religiosa de levar a décima parte da produção da terra (não viviam da terra) para os Sacerdotes, LEVITAS, órfãos e desvalidos que eram o “público alvo” dessa distribuição.
Obviamente, os defensores da obrigatoriedade do pagamento de dízimos ainda hoje (século XXI) pelos fiéis cristãos, sejam estes católicos ou protestantes, têm fartos motivos para arguir a afirmação dessa obrigatoriedade notadamente quando citam e “fazem suas interpretações” de Malaquias, Mateus, Lucas, Gálatas, Deuteronômio, porém, não podem e nem devem se afastar do que está acima narrado, que pertence à história do povo hebreu e não à crença na necessidade desta ou daquela divindade.
Causa-me espécie ouvir determinadas pregações religiosas que insistem em mercantilizar Deus e Jesus, como se a eles interessassem bens materiais, esquecendo que foi o próprio Jesus quem disse que o seu reino não era deste mundo material e sim do mundo espiritual.
Não me consta que Jesus necessite da doação em dinheiro ou da doação de veículos dos fiéis, como o pedido que viralizou nas redes sociais, onde o pregador da palavra de Deus afirma e pede que os fiéis deixem as chaves de seus carros, transferindo a propriedade dos mesmos naquele exato momento no templo, chamando os veículos de “latas velhas” e prometendo que, já no dia seguinte, Deus daria um carro novinho em folha e de luxo àqueles que assim agissem.
Assusta-me ver que em nome de Deus já foram feitas tantas guerras sangrentas; pessoas foram queimadas vivas em praças públicas e agora Deus, e por tabela seu filho Jesus, são transformados em proprietários de revendedoras de automóvel.
Esta é a história do dízimo que teve início com JOSUÉ e também, é bom que se diga, teve FIM enquanto obrigação religiosa, quando o povo judeu retornou do cativeiro na Babilônia após terem tido suas terras invadidas por Nabucodonosor II, e os LEVITAS não retornaram para Jerusalém terminando assim a motivação histórica que levou à criação da doação da décima parte do que fosse produzido na terra, para o Templo e para a tribo de LEVI.
Estou ciente e consciente que as instituições religiosas precisam de recursos financeiros para suas atividades de beneficência; bem-estar social dos fiéis; promoção de atividades sociais e agregadoras, enfim, uma série de ações que necessitam de recursos financeiros hoje em dia, mas tudo deve ficar, a meu ver, no campo das contribuições voluntárias e conscientes dos fiéis e não como obrigação religiosa compulsória, a título de estar “contribuindo” obrigatoriamente para as “obras do Senhor”, posto que, como afirmam, assim está escrito e determinado na bíblia.
Essas contribuições modernas em dinheiro podem ser feitas e acho mesmo que devem ser feitas, desde que com honestidade de propósitos; voluntárias; espontâneas e, a meu ver, podem tomar qualquer título como, mensalidade, caixinha, quermesse, bingo, oferta, carnê etc., não devendo, porém, ser titulado de “dízimo” posto que este fenômeno bíblico é parte da história do povo hebreu.
Algumas denominações religiosas praticam a cobrança obrigatória do “dízimo” em dinheiro, e mais as contribuições voluntárias, também em dinheiro, somando as duas como obrigações dos cristãos deste século, isso quando não exageram e cobram o “trízimo” (sic) (30%) do que o fiel ganha, por mês.
De fato, o dízimo está previsto na bíblia como obrigação do Judeu daquele tempo, para os fins e na forma acima já esclarecidos e não como obrigação dos cristãos do século XXI, e em dinheiro, restando a este artigo buscar esclarecer “aqueles que tem ouvidos de ouvir” e lembrar também uma frase, que teria sido proferida por um líder religioso que no Brasil se autodenominou “bispo” que, repito, teria dito : “Deus é o caminho e eu sou o pedágio”.
É bom também lembrar, que na época em que foi instituído o pagamento da décima parte do que fosse produzido na terra quando da distribuição dessas terras por JOSUÉ, em “produtos da terra”, já existia dinheiro (lembrem-se que bem antes de JOSUÉ, Abraão já havia comprado o túmulo de sua esposa Sarah com dinheiro), portanto, fica histórica e temporalmente afastado o argumento de que a cobrança do “dízimo” em dinheiro, hoje em dia, se justificaria porque “naquele tempo” não existia dinheiro para se pagar o “dízimo”, e assim sendo, esta seria a razão do “dízimo” ser pago com produtos da terra. Pura falácia, afastada da verdade histórica e temporal.
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Belém-Pa, 10 de janeiro de 2018
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