Dino Priante.
Há aproximadamente 50 anos era instalado na torre da Catedral de Sant’Ana, em Óbidos, o relógio que até os dias de hoje orienta parte da população.
Através de Dom Floriano, cidades alemãs adotavam cidades da Prelazia de Óbidos (Faro/Terra Santa, Juruti, Oriximiná, Alenquer e Óbidos) fazendo doações e ajudando de uma maneira geral
Quando de suas idas à Alemanha, Dom Floriano conseguia equipamentos, roupas, e outras doações para serem distribuídas nessas cidades de sua Prelazia. Inclusive esses relógios foram doações de empresários alemães, que eram transportados através da Cia. do Lloyd Brasileiro, que saíam de Frankfurt, Munique, Hanover, com destino ao Brasil.
Dom Floriano teve dificuldades de instalar esses relógios em suas respectivas Igrejas, necessitava de um técnico especializado no assunto. Esses aparelhos se encontravam encaixotados, no interior dos respectivos templos. Quando um senhor de nome Raimundo Marcelo Torres de Souza, pai de nosso amigo Cezário Torres, que foi estudante da primeira turma do ginásio São José e residia em Juruti e que prestava serviços à paróquia dessa cidade, perguntou a Frei Mario, que material era aquele, Frei Mario lhe falou: “Mestre dos Mestres”, era como o chamava esse servidor, por sua capacidade em mecânica, explicando-lhe que era um relógio que deveria ser colocado na Torre da Igreja. Ele então lhe disse que gostaria de ver o manual. Como estava todo em alemão, teve uma explicação rápida do sacerdote, logo o “Mestre dos Mestres” lhe informou que montaria o aparelho desde que fizesse umas adaptações em madeira, seu pedido foi endossado pelo sacerdote. Portanto, o relógio de Juruti foi o primeiro a ser instalado. Dom Floriano vendo o sucesso da instalação, o convidou para instalar o de Óbidos na Catedral de Sant’Ana.
Esse aparelho de origem alemã, fabricado pela Ed. Korfhage e Sohen, localizada na cidade universitária de Osnabruck, que fica a 114 km a oeste de Hanover, é totalmente mecânico, tem os pêndulos suspenso por cabos de aço, que pela gravidade, aciona as engrenagens sincronizadas, e devem ser manuseadas (dado corda) semanalmente. Tem o fundo verde e os mostradores amarelos ouro, toca de quinze em quinze minutos, sendo que nos primeiros quinze minutos, dá um toque, com trinta minutos dois toques, com quarenta e cinco minutos três toques, e os toques das horas correspondentes, sempre como se fosse ante meridiem (AM), portanto, às 13 horas, ele dá um só toque e não treze toques.Tornou-se referência, principalmente aos madrugadores, que com o cartão na mão se deslocavam ao mercado para ir buscar a carne. Eu era um deles, para levantar às cinco da manhã, e me dirigir às aulas de educação física, quando estudante do ginásio, com aulas ministradas pelo Cabo Moura ou Sgto. José Maria, da minha rede ouvia as cinco badaladas do relógio, quando tinha dúvida havia uma janela de casa, que se avistava a torre da Igreja, no relógio tem um ponto de luz que clareia o mostrador, assim eu confirmava à hora.
Em nossas voltas na Praça, quando tínhamos que nos dirigir para as baladas no Mariano, no Paroquial, o relógio da Matriz era nosso guia e, assim, as pessoas que tinham seus compromissos e que estavam ao redor da Catedral, utilizavam as horas do relógio da torre de Sant’Ana para cumpri-las.
Quero lembrar os relógios de pulso - não havia essa facilidade que existe hoje, onde você compra um descartável em qualquer banca de camelô. Naquela época, se mandava buscar na Hermes através de catálogos e não era barato. O meu primeiro relógio foi de corda, marca Salvator, suíço. Mas com a Zona Franca de Manaus criada em 1967, os Seiko 5, automáticos, começaram a aparecer, e quem podia comprava o seu.
Voltando ao relógio da Igreja, quando se chega a Óbidos, por via fluvial, tanto subindo ou descendo o Rio Amazonas, se avista o relógio porque os mostradores estão nas quatro faces da base da pirâmide do extremo da torre.
O som de seus badalos, são ouvidos em um raio de quinhentos metros, dependo da direção do vento, se pode ouvir a uma distância maior.
Nas partidas de futebol, que aconteciam no velho Estádio Rêgo Barros, muitos jogadores se orientavam no tempo da partida pelo relógio da torre da Igreja, tinha uma parte do campo em que se avistava a torre, ficava do lado esquerdo do prédio do quartel, digo ficava, porque se fizeram obras nessa direção, ficará invisível.
Mas tenho um caso interessante relacionado com esse relógio, eu, o Pedro Lima e o Tatai (Francisco Loureiro) estudávamos para o admissão ao ginásio na casa de uma professora que residia próximo à Praça, nossas aulas começavam às 07h30min prolongando-se até as 10h30min. O Pedro Lima pegava o despertador da casa da professora, adiantava uns trinta minutos, para sairmos mais cedo; no dia seguinte a professora comentava que nós havíamos saído mais cedo no dia anterior por causa do relógio que estava adiantando, ela tornava acertar com o da Igreja e mostrava para nós quando batiam 8 horas e conferia com seu despertador. Ela se ausentava, o Pedrinho pegava o relógio e adiantava, não dava para fazer diariamente, mas quando queríamos sair mais cedo, dávamos corda no colega: ─ Vamos sair mais cedo hoje?!
Não sei se os moradores próximos da Praça de Sant’Ana se incomodam com as badalações do relógio, principalmente no silêncio das madrugadas, porque os sinos da Igreja também são badalados às seis horas da manhã e às 18 horas.
FONTE: ÓBIDOS DE ANTANHO: Livro de crônicas de Dino Priante (2019)
Publicado originalmente em: 30 de Setembro de 2019
www.obidos.net.br - Foto: João Canto
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