O CURRO

O CURRO

Dino Priante.

Depois de escrever sobre o Mercado Municipal de Óbidos, senti a necessidade de escrever sobre O Curro (moradia de escravos, local onde os touros ficam antes e após as corridas), que era como chamávamos o Matadouro Municipal. Ficava localizado na Rua Justo Chermont, entre as Travs. Dr. Machado e a Pauxis, hoje cedeu lugar a um depósito da empresa dos herdeiros Viúva Marcos Belicha.

O administrador do matadouro era o Sr. José Matos, pai do Cristóvão, essa função foi sua por muitos anos e o inspetor do abate era o Ten. Mocinho depois passou a ser seu sobrinho Sr. Jangito.

Um dos maiores fornecedores de bovinos para abate na cidade de Óbidos, foi o Sr. Brito Souza, que trazia as reses no seu veloz barco/motor: Radiante, casco bem talhado equipado com uma máquina Lister de 70 HPs, sem dúvida foi a embarcação mais veloz que havia em Óbidos na década de sessenta. Tinha como motorista o  Zunga  e o  Caiçara como piloto. Geralmente atracava próxima a ANIAGEM, em frente a uma rampa, onde desembarcavam os animais que vinham para o matadouro. Além dos dois funcionários acima citados, participavam do desembarque Sr. Gil Mamede, Diabo Assado embarcadiço do barco/motor Sialpe e outros. Normalmente íam dois homens na frente com uma corda e três atrás com outra corda, para estancarem a corrida dos animais, tanto as cordas da frente como as de trás eram amarradas aos chifres. Esses animais saíam pela Rua Pauxis, no rumo do Curro, e a molecada correndo atrás. Sempre que podiam pegavam na ponta da corda, o que era repreendido pelos seus condutores. Mas sabe como é moleque, quer estar na bagunça. Essa maneira de conduzirem os animais parecia à corrida de touros de San Fermin (São Fermino) da cidade de Pamplona na Espanha, que tem um percurso de 825 metros com as ruas lotadas de turistas.

Ambiente interno do Curro (Fonte: Museu de Óbidos))

Era uma diversão interessante assistir a esses desembarques, além da luta do homem para dominar o animal, havia aqueles animais manhosos, em que os peões torciam tanto o rabo do animal, que chegava a quebrá-lo.

No Curro havia uma boa área para os animais se recuperarem do estresse, e no dia da matança estava lá o Sr. Chico Preto para começar o ritual. Aplicava uma facada na nuca do animal sangrando-o posteriormente. Alguns garotos humildes sempre estavam com seus baldes para aparar o sangue e aproveitar os fetos das vacas abatidas no terço final da gestação, para saciar a fome de suas famílias. Logo depois entrava em ação os Srs. Mario Ferreira e Luis Batista, para descorarem e dividirem em quartos os animais. As vísceras vermelhas ficavam a cargo do Sr. Waldir Matos (ainda reside em Óbidos com seus 86 anos) e as vísceras brancas (bucho) eram cuidadas pelo Sr. Sabá Bucheiro. Pela época do carnaval, disputavam as bexigas, que soprada e seca, era utilizada pelos Mascarados Fobós, para “bater” na molecada.

Ambiente interno do Curro (Fonte: Museu de Óbidos))

Houve uma época, que logo após o almoço,  hora dos abates, eu estava sempre por lá, para assistir esses rituais todos. Fui dedurado pelo Sr. Sabá ou Sr. Chico Preto, dizendo a meu pai, que eu era um frequentador assíduo do Curro, recomendando que não permitisse minha ida até esse logradouro. Coitado do papai, não sabia onde eu andava há essa hora, mas logo que foi comunicado orientou ao Sr. Sabá que me mandasse embora, e prometeu dar-me uma surra. Foi então que deixei de frequentar o Curro.

Após a matança, os quartos eram conduzidos em um carro da PMO, todo em madeira, tipo um baú, puxado por um boi da raça Gir, que era conduzido pelo do Sr. Waldir Matos. Às 16 horas, essa carne chegava ao mercado, e as vísceras eram vendidas à tarde, mas a carne dos quartos traseiros só no dia seguinte, mediante a apresentação do bendito cartão.  Ás 4:30 horas abria-se as portas do mercado, e aquela multidão que estava à espera, entrava feita louca, dirigindo-se aos boxes.

 Meu pai que gostava muito do miolo (cérebro) bovino, tinha que comprar a cabeça, pedir para alguém abri-la e retira-lo, e como formas de pagamento ficavam com a carne da cabeça.

Hoje os matadouros devem estar dentro de um padrão tecnológico e higiênico-sanitário exigido pela Inspeção Sanitária. Deve possuir linhas de inspeção, pistola automática para que o animal não sofra tanto por ocasião do abate, câmaras frigoríficas e tratamento dos efluentes, assim como um Médico Veterinário para garantir a qualidade sanitária da carne e dos subprodutos do matadouro frigorífico. Apesar de todas essas exigências, as maiorias dos matadouros municipais ainda continuam iguais àquela época do Curro.

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Originalmente publicado em: 5 de Dezembro de 2018

Comentários  

0 #1 MARYANE PEDROZA GONÇ 20-04-2021 13:08
Boa tarde, gostei muito do seu artigo, fui a Óbidos em 1980 e gostava olhando o boi morrer p pegar a carne ainda se tremendo, era o único jeito que tia Cléo e tio Benja conseguiam fi[censored] sossegados.
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