Pauxi: uma tribo em fuga - memória em tempos de isolamento social

Pauxi: uma tribo em fuga - memória em tempos de isolamento social

Homenageamos o Dia dos Povos Indígenas republicando o artigo 'Pauxi: uma tribo em fuga', de Délio Reis Aquino!"

Délio Reis Matos de Aquino[1]

Em 1996, no Brasil, já se vivenciava o décimo primeiro ano pós-regime militar e o oitavo ano da nova Constituição Federal do Brasil. Governava o quinto presidente depois do dito regime, ainda que, o primeiro presidente desse período tenha feito sua passagem antes de ocupar o cargo. Aos brasileiros que compreendiam o que era aquela suave e tímida fragrância de democracia, tão esperada por muitos, agora com um pouco mais de liberdade passaram a desfrutar das leituras da própria Constituição Federal, das literaturas, jornais, revistas, artigos, livros acadêmicos sem o temor das prisões, torturas e outras violências não menos dolorosas do período que terminara.

Em Óbidos Pará, um dos municípios com maior presença de comunidades remanescente de quilombos da Amazônia, o mecânico de automóveis, poeta e letrista Deodoro Oliveira, talvez o indígena mais branco da cidade naquela época, especialmente no que se refere à prática e divulgação das culturas alimentares baseadas no consumo de peixes e produtos vegetais ensinadas pelos primeiros habitantes de Abya Yala, este território ao qual, agora, nomeamos como América, alcançou em suas leituras o livro sobre os Kaxúyana escrito por Protásio Frikel.

O citado poeta baseado na leitura do livro Os Kaxúyana: notas etno-históricas, publicado em 1970 alardeava com entusiasmo sua nova leitura aclamando para a história de Óbidos a efetiva presença dos Kaxúyana como o povo nativo que ocupava o território antes da fundação da “Sentinela da Amazônia”, o que conflitava com a tradição criada sobre o Povo Pauxi, nomeada na tradição obidense como Pauxis.

Nesse contexto histórico se apresentou a necessidade de escrever o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e se percebeu a ausência de obras exclusivas referentes à história do Povo Pauxi. A partir dessa evidência se definiu o corte cronológico para os anos 1655 – 1697 e se compilou como Objetivo Geral: reunir a documentação e a bibliografia referente ao povo Pauxi com foco nas localizações dos territórios habitados por esse povo, as riquezas alimentícias naturais desses espaços, as mudanças ocorridas na história da tribo e suas resistências a partir do contato com os invasores europeus.   

Nesta memória informaremos apenas os territórios citados nas bibliografias alcançadas no limite de um TCC. Antes, porém, citaremos outros povos indígenas que aparecem nas bibliografias estudadas como antigos habitantes do território definido como Óbidos pelos colonizadores no passado e, os povos que ainda resistem na contemporaneidade.

Queiróz ancorado em Protásio Frikel informa:

Toda essa região (agora delimitada na presente análise), compreendida pelas bacias dos rios Nhamundá e Trombetas, era ocupada por grupos indígenas que, na sua maioria, se inscrevem naquilo que o antropólogo Protásio Frikel (1970) denominou de ‘complexo cultural Tarumã-Parukoto. (QUEIROZ, 2014, p. 168).

O mesmo autor afirma:

Há referências esparsas sobre os índios Conduri, que teriam sido reunidos, no início da ocupação europeia do continente, na localidade onde se situa a atual cidade de Nhamundá, no Amazonas. Tais índios também teriam sido avistados pelo missionário espanhol Samuel Fritz por volta 1691, no mesmo local onde se iniciaria, seis anos depois, a construção do Forte de Pauxis, nome em referência à denominação do grupo indígena que ocupava a redondeza — local onde hoje está situada a cidade de Óbidos, no Pará. (IDEM, p. 170).

Queiroz ainda informa que em 2014 as principais aldeias dispersas na região de fronteira do Brasil e da Guiana alcançavam 39 comunidades. Levando em consideração todos os limites etno-históricos e antropológicos e as dificuldades para se produzir estatísticas demográficas no ambiente amazônico do século XVIII, Frei Manço enumera em 06 de janeiro de 1728 quarenta e nove “nações” na região do Trombetas e Nhamundá. (São Manços, 1903, p. 40).

Maurício de Heriart afirma que no final do século XIX havia

Na banda do norte, que é da outra banda do rio das Amazonas, está o rio das Trombetas, mui povoado de índios de diferentes nações; como são Conduris, Bobuis. Aroases? Tabaos, Curiatos, e outros muitos; e todos têm os próprios ídolos, cerimônias, e governo que tem os Tapajós. (HERIART, 1874, p. 39).

Em Protásio Frikel encontramos estas referências:

Segundo os relatos da tradição que explicam essas e outras asserções semelhantes dos pajés, o atual grupo Kaxúyana descende de uma mesclagem de dois elementos étnicos, imigrados na área do Trombetas / Kaxúru. Um deles foi constituído por imigrantes do oeste que se tornaram os Kaxúyana em sentido próprio; o outro eram os Aríkyana ou Waríkyana, oriundos do leste, das regiões da foz do Amazonas. Entre ambos os grupos h avia diferenças nos vários níveis culturais que, em parte, até hoje são perceptíveis. A tradição não recorda a autodenominação dos antigos Kaxúyana ou só de maneira muito vaga e incerta (2), enquanto a dos Waríkyana é relatada como sendo Ingarüne. Mesmo os pawixi (Pauxis), grupo que foi habitar nos afluentes do rio Erepecuru, foram indicados como Ingarüne . O fato de que os Pawíxi entraram nas terras do Trombetas juntamente com os Waríkyana, porém sem se misturarem com antigos Kaxúyana, mas sendo indicados com o nome tribal de Ingarüne, parece confirmar que a autodenominação dos Waríkyana tenha sido Ingarüne. (FRIKEL, 1970, p. 9).

Todas as referências apontam o antigo território do município de Óbidos caracterizado por um espaço densamente povoado e também na atualidade quando se considera as fronteiras geográficas com as Guinas e os municípios que se formaram a partir do antigo território obidense, em 2014, ainda resistiam pelo menos 39 povos.  

Os Pauxi

O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) aprovado em 1996 recebeu poucos ajustes desde então. Em 2004 foi anexada sua ficha catalográfica e agora no período de isolamento social se avança com novas leituras e a possibilidade de publicação em forma de livro acrescido com bibliografias mais atualizadas.

O Padre João Filipe de Bettendorf chegou ao Maranhão a 20 de janeiro de 1661, escreveu suas crônicas 38 anos depois, portanto em 1699. Este autor relata que em 1645 houve um naufrágio na costa da Baia do Sol e alguns sobreviventes chegaram náufragos nas costas de Joanes (Marajó).  Bettendorf afirma que o governador André Vidal de Negreiros (Segundo governo no Maranhão iniciou 1655, o primeiro governo dele foi entre 1641-1644) mandou punir os Aruãs da costa que tinham morto o padre Luís Figueira e seus companheiros náufragos:

O padre João de Souto-Maior [...] foi eleito por missionário do padre Antônio Vieira, subprior e Visitador de toda a Missão para ir aos Ingaíbas, em tempo que o governador André Vidal de Negreiros mandou dois cabos com um cento e doze brancos e uns novecentos índios, em umas trinta e sete canoas, para irem castigar os aruãs da costa que tinham morto o padre Luís Figueira e seus companheiros naufragados, e juntamente para fazerem pazes com os Ingaíbas em as ilha da terra adentro, indo por cabo da tropa da costa Agostinho Correia, e da terra adentro Pedro da Costa Favela. Está a ilha de Joanes [...] atravessada em o rio das Amazonas, e quase de maior grandeza de terras que todo o Reino de Portugal. Habitam-na sete nações, cada uma de língua diferente e de maneira que vivendo na mesma ilha, no meio do rio, se não entendem uns aos outros, tendo muitas vezes guerras entre si. Os nomes das nações são: Joanes ou sacacas, aruãs, Mapuases, Mamaianazes, Pauxis e Bocas, e com serem estas nações todas estão a seis dias distante do Grão-Pará e povoações dos portugueses. (BETTENDORF, 1990, p. 90 -91).

A segunda documentação mais antiga referente aos Pauxi nas crônicas de Bettendorf se refere ao descimento dos Pauxis para as proximidades da boca do Xingu:

Mandou o padre subprior Antônio Vieira ao padre Salvador do Vale com seu companheiro pelo rio das Amazonas, a descer uma nação de gentio de língua geral por nome Pauxis; foram-se ambos com grande zelo, doutrinando e administrando os sacramentos pelas aldeias ao redor da fortaleza do Gurupá, e dela viajaram em canoas com remeiros e tudo o mais necessário para o fim que intentavam, e foram tão prudentes em suas disposições e tão acertados os meios, que em breve tempo viram o fruto de seus trabalhos, descendo do sertão mais de seiscentas almas, as quais se puseram em um sítio novo e aprazível que está na boca do rio Xingu e das Amazonas; porém no tempo que estes índios se estavam situando, fazendo suas casas e lavouras, contentes de sua sorte, adoeceu o padre Vale, subprior daquela residência com o seu companheiro, mortalmente; julgaram todos serem obrigados a vir ao Pará a buscar o remédio de suas vidas. (IDEM, p. 125).

Antônio Porro ancorado em Bettendorf localiza o povo Pauxi nas seis primeiras décadas dos setecentos em Gurupá e no final deste mesmo século já em território obidense: “Os Pauxí Entre 1660 e 1698 viviam na região de Gurupá e baixo Xingu (Bettendorf) e os PAUXI do Trombetas grupo ligado à formação do sítio e fortaleza no estreito homônimo, depois em Óbidos.” (Porro, 2007, p. 83).

José Veríssimo em seu livro Estudos Amazônico afirma:

Óbidos chamou-se primitivamente Aldeia dos Pauxis. Este nome é indígena. Até hoje acreditei ser pertencente a língua geral ou tupi e corruptela do vocábulo YPAUAUICHI – que se traduz por Ypaua (lago)  de Uichi (fruto), pois é certo que o lago situado atrás da cidade abundou outrora em árvores desse fruto. Agora uma nova versão se apresenta. Conta uma tapuia da tribo dos encarinas do Trombetas que aqui se acha o seguinte: era na época dos pesqueiros reais, um desses pesqueiros estava estabelecido no lago ou rio Paru (atual cidade de Almeirim) onde fizeram uma grande tapagem. Os matupás, verdadeiras ilhas flutuantes de capim ameaçavam, descendo o rio, destruir a paliçada. Os que dirigiam e usufruíam o pesqueiro, obrigavam os índios seus pescadores, a saltarem na água afim de desviar ou encontrar as ilha de capim, livrando-se assim a tapagem de ser derrubada. Eles (os índios) obedeciam, porém eram vítimas das cobras, jacarés, piranhas e outros animais que acompanhavam sempre essas ilhas. Irritados abandonaram o Paru e vieram estabelecer-se no local ou antes as margens do lago que fica ao norte da cidade. Eram, nesse lugar, tão abundantes os mutuns , que lhe deram o nome desse pássaro  no dialeto ENCARINÃ chamado Pauici. Eis o que conta a índia: tradição guardada na sua tribo e chegada até ela. (VERÍSSIMO, 1970, p. 221- 222).

Frikel Protásio em seu livro Os Kaxúyana: Notas etno-histórica informa:

O segundo componente étnico dos atuais Kaxuyanas é constituído por um grupo que veio do Amazonas [...] quando português descobriu a terra ‘Pre?nó’ (o grupo) fugiu. Português vinha de Kaimpixi. Fica no nascente, onde depois fizeram ‘Bere’ (Belém). Perto de Kaimpixi morava outro povo, os Mêrêwá ou Marawá, que nós também chamamos maráwana. Outros chamam Mêrêyó [...] Português perseguiu nossa gente que fugiu. Depois Mêrêwá fugiu também. Vinha subindo o Arikuru (Amazonas) e ficavam morando em Fxurutahúmu (Rio Tapajós) [...] mais para cima (no Amazonas) morava outro ‘Pre?nó’ . Os pawixi. Pawitxi. (FRIKEL, 1970, p. 20,21,22).

Darcy Ribeiro informa no eu livro intitulado Línguas e culturas indígenas do Brasil, referindo-se aos Pauxi, afirma:

Em 1900, os índios Pauxis, quanto ao grau de integração na sociedade nacional, tinham contato permanente [...]. Em 1957, já estavam extintos [...]. Os índios Pauxis viviam em terra firma, à margem direita do médio Cuminá no Estado do Pará, e faziam parte do tronco linguístico Karib. (RIBEIRO, 1957, p. 9, 15, 89).

Arthur Cézar Ferreira Reis e Curt Nimuendajú localizam os Pauxi já no território do município de Óbidos sem acrescentar informações mais abrangentes que os demais autores citados. Referente ao estudioso Curt Nimuendajú Protásio Frikel descreve assim:

Nimuendajú (1948, p. 03, 211) menciona como ‘moro’ habitat de desses índios, as cabeceiras dos afluentes direitos do Cuminá, mais exatamente o baixo EREPECURU, ACAPU, ÁGUA FRIA e PENECURA. A frase conclusiva: ‘The Pauxis no longer exist’, parece-nos precipitada. Até 1946 os Kaxúyana ainda tiveram contatos ocasionais com os Pauxis. Esta tribo também teve contatos esporádicos com os castanheiros que subiam o rio Erepecuru. Os índios sempre se mostravam pacíficos, mas por precaução ou movidos pelo medo (tradicional) do civilizado, nunca levaram forasteiros à suas aldeias, as quais deviam ficar umas três horas distantes da beira do rio. Para entrar em contato com os índios, os castanheiros costumavam dar três tiros pelas sete horas da manhã e os índios apareciam, geralmente, pelas 10 horas, isso deu-se no decênio de 1950 e 1960. (FRIKEL, 1970, p. 38,39.).

Na plataforma digital Google Acadêmico o verbete pauxis estudado nesta memória é citado apenas para os estudos biológicos e ecológicos do pássaro pauxis, sem acrescentar até o momento nenhuma informação mais abrangente do que estas que estão disponibilizadas nesta memória.

Aqui não se tem como objetivo analisar dialeticamente e ou dialogicamente estas informações, mas apenas apresentar para os leitores interessados pelo assunto caminhos para que possam aprofundar seus conhecimentos. Alertamos que no contexto do TCC que dá base para esta memória, apenas foram alcançadas fontes secundárias apontando para um trabalho mais completo a busca com acuidade de fontes primárias.

REFERÊNCIAS

AQUINO, Délio Reis Matos de. Pauxi: uma tribo em fuga 1655 – 1697: história de caboclo. UFPA, Belém, 2004. 60 f.

BETTENDORF, João Felippe Pe. 1627 – 1698., da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. 2. ed. Belém, Gráfica Centro, 1990, 697 p.

FRIKEL, Protásio. Os Kaxúyana: notas etno-históricas. Belém, INPA, 1970, 82 p.

HERIART, Maurício de. (1662) 1874. Descrição do Estado do Maranhão, Pará, Gurupá, Rio Amazonas, Viena. Imprensa do Filho de Carlos Gerald, 84 p. 1874.

NlMUENDAJÚ, CURT. 1926 Die Palíkur·lndianer und ihre Nachbarn. Kungl. Vetenshapsoch Vilterhets·Samhaelles Handlingar, Goeteborgs, Fjaerd Foeljden 31 (2). 144 p. il., mapa

PORRO, Antônio. DICIONÁRIO ETNO-HISTÓRICO DA AMAZÔNIA COLONIAL.  São Paulo: USP, 2007, 198 p.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. História de Óbidos. 2. ed. RJ, Civilização Brasileira, 1979. 144 p.

RIBEIRO, Darcy. Línguas e culturas Indígenas do Brasil. RJ, Centro de Pesquisas Educacionais, 1957, 102 p.

SÃO MANÇOS, Francisco de. 1903. “Rapport presenté au roi par le frère F. de São Manços, religieux de l’Ordre de la Pitié et missionaire dans le village des Nhamundás sur son voyage par la rivière Trombetas le 6.1.1728”. Disponível em http://etnolinguistica.wdfiles.com/local--files/biblio%3Asao-mancos-1903 relação/ sao_mancos_1903_relacao.pdf. Acesso 19 de Abr. 2020.

VERÍSSIMO, José. Estudos amazônicos. Belém: Universidade Federal do Pará, 1970. 256 p.

[1] Mestre em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia, PPGEDAM, UFPA.

*Délio Aquino é obidense da Comunidade de Várzea São Raimundo, na Costa Fronteira. Graduado em história pela UFPA, especialista em Educação Ambiental e Sustentabilidade e mestre em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia pelo Núcleo de Meio Ambiente da UFPA. Professor de história e Estudos Amazônicos há 22 anos. Escreve texto em versos com  dois livros publicados em 2014 e 2019. 
**Artigo publicado Horinalmente em 06/08.2020

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