Haroldo Figueira.
Dia 17.03.2021 fez um ano que tomei, juntamente com minha esposa, a decisão de nos isolarmos do convívio social como medida profilática contra a possibilidade de contrair o Covid-19. Distanciamo-nos dos amigos e da família. Abrimos mão de ir às compras, de viajar, de frequentar restaurantes, parques, praias e até das missas dominicais. Até mesmo as caminhadas, ficaram restritas às áreas comuns dos condomínios onde revezamos nossas residências.
Não o fizemos por medo exagerado, covardia ou temor infundado. Temos noção de que o surto pandêmico é grave, ainda mais para pessoas como nós pertencentes aos grupos de risco, tanto pela idade como pela existência de comorbidades. Pessoalmente, não me assusta a hipótese de morrer, mas a de precisar de atendimento hospitalar e não encontrar leito disponível, além de sofrer por longo tempo em uma UTI, longe da família e entre pessoas que não conheço.
Ao analisar os custos e benefícios da opção, concluímos que fizemos a escolha acertada. Sobrevivemos, até agora, incólumes à contaminação do vírus, apesar do enorme contratempo que é manter-se confinado por mais de um ano, submetidos a uma rotina de vida solitária e tediosa. Não vislumbramos, porém, outra saída melhor.
Infelizmente, sabemos que há muita gente que gostaria de ficar em casa, mas não pode dar-se a esse luxo. Precisa ir às ruas, enfrentar transportes públicos congestionados na batalha pelo pão de cada dia. Age, assim, por pura necessidade, já que não dispõe de meios para sobreviver em isolamento. De outra parte, há uma parcela considerável da população que se aglomera por clara irresponsabilidade. Indivíduos egoístas, sem empatia, jovens na maioria, que adotam essa conduta por se julgarem ilusoriamente imunes à ação do patógeno, insensíveis diante do fato de estarem servindo de vetores para a contaminação de pessoas vulneráveis. Além de desumano, isso se revela criminoso.
Não pensei que fosse viver para testemunhar uma situação assim. Vivenciamos o verdadeiro caos. Padecemos com a falta de comando, de planejamento, de comunicação eficiente, com a coordenação atabalhoada a partir do órgão central que dirige a saúde pública neste país. No âmbito federativo, o bate cabeças entre as autoridades também é evidente. Sinto falta de uniformidade de procedimentos e de um comprometimento homogêneo com a prevalência do bem público sobre interesses particulares. Quem se beneficia com tamanha desorientação é o vírus, que encontra espaço livre para prosseguir em sua sanha infecciosa, superlotando hospitais, deixando as equipes que atuam na linha de frente estressadas, extenuadas e postas, muitas vezes, diante da ingrata e indesejável incumbência de decidir entre quem vai viver e quem vai morrer.
Pior de tudo é que, ao invés de conduzir o enfrentamento da pandemia à luz do conhecimento sanitário e científico e canalizar esforços para o objetivo primordial de preservar vidas humanas, algumas de nossas lideranças políticas, seja por razões eleitoreiras, seja por motivações ideológicas, apegam-se ao falso argumento do dilema entre salvar vidas ou preservar a economia. Fecham os olhos para uma realidade insofismável: economias, empregos, são com o tempo recuperáveis; vidas perdidas, não.
Tão grave quanto, é subestimar o poder destrutivo do coronavírus com posturas negacionistas em relação ao saber científico, inclusive com a prescrição de tratamentos precoces que, comprovadamente, não funcionam e que contam, entre outros inconvenientes, com o aval deletério de alguns profissionais da saúde. Tudo isso só serve para confundir a população, além de desviar a concentração de esforços e energias da questão que realmente importa que é adquirir vacinas de forma rápida e quantidade suficiente para imunizar maciçamente todos os brasileiros.
Embora um tanto pessimista a respeito, torço para que um pouco mais de responsabilidade, lucidez e bom senso penetre nas cabeças das pessoas que nos governam, impelindo-as a rever seus posicionamentos equivocados. Precisamos, urgentemente, de líderes que conclamem a união de todos para combater com armas adequadas a terrível ameaça que paira sobre nós. Um mal traiçoeiro que já ceifou milhares de vidas e que, se nada de razoável e efetivo for feito para deter seu avanço, caminha a passos largos para matar muito mais concidadãos.
Já recebi a primeira dose da vacina. Minha esposa aguarda, ansiosamente, sua vez. Não perdemos a esperança em dias melhores. O sacrifício que estamos realizando há de valer a pena. Associamo-nos, por fim, às vozes daqueles compatriotas que, confiantes em novos rumos, conscientes de que fazem a sua parte, proclamam alto e bom som: “tudo vai passar!”.
Natal, 18 de março de 2021