O Apanhador no Campo de Centeio

O Apanhador no Campo de Centeio

Ademar Ayres do Amaral

Desde estudante secundarista, já lá se vão umas boas dezenas de anos, eu ouvia falar, mas sempre passei ao largo de O Apanhador no Campo de Centeio (The Catcher in The Rye, no original), obra cult e clássica do autor americano Jerome David Salinger ou, como é mais conhecido, J. D. Salinger.  Nesse período, nunca me interessei ou tive curiosidade de ler o famoso livro e nem sei explicar o porquê de achar que a obra não passava de um daqueles romances açucarados, que exaltam a vida lúdica e as vantagens da convivência no campo. Talvez pelo apanhador de centeio do título? Quanta alienação e estupidez.

Lembro que continuei ignorando solenemente o livro de Salinger, mesmo depois do dia 08 de dezembro de 1980, ao tomar conhecimento do assassinato de John Lennon, no momento em que ele e Yoko Ono chegavam, no edifício Dakota, ao Sul de Manhattan, após um dia estafante de gravação. Lendo a terrível notícia nos jornais da manhã seguinte e não vendo nenhuma lógica para a tragédia que acabara de acontecer, também não percebi (talvez poucos tenham percebido), um curioso detalhe do abominável crime: horas antes de matar Lennon, na entrada do prédio, o desequilibrado Mark Chapman tinha pedido que ele lhe autografasse O Apanhador no Campo de Centeio e, quando foi preso, carregava o exemplar do livro debaixo do braço.

Mas meu alerta foi ligado em 1981, quando um outro maluco, John Hinckley Jr., atentou contra a vida do presidente Ronald Reagan e também declarou ter se inspirado na atriz Jodie Foster (por favor, não deixem de assistir Taxi Driver) e no mesmo livro de Salinger, para dar sua saraivada de tiros, que por pouco não tiraram a vida do presidente americano. Naquela época, impressionado com o tanto de mistério que cercava a célebre obra, percorri as principais livrarias de Belém, mas não encontrei um único volume para comprar. O livro foi lançado nos Estados Unidos em 1951 e depois da edição em português, acho que as editoras brasileiras perderam o interesse nele por um tempo.

Os anos correram e eu, novamente, parei de pensar no O Apanhador no Campo de Centeio até janeiro de 2010, quando li, na revista Veja, uma destacada matéria sobre a vida e a obra de J. D. Salinger. Ele acabara de falecer aos 91 anos, depois de ter passado quarenta anos recluso em sua fazenda, de se recusar a qualquer tipo de entrevista ou de se deixar fotografar. Corri para a livraria e a resposta foi esta: não temos, tente comprar em algum sebo pela internet. Aí foi viagem quase toda semana e acabei tomando meu tempo com outras coisas, quando meus iluminados filhos me deram um IPAD de aniversário.

Avesso a qualquer novidade enquanto não me pareça lógica, menos de um mês depois eu já estava apaixonado por todas as praticidades que o tal aparelhinho do finado Steve Job vinha me proporcionando. Na empresa onde trabalhava, havia um desses entendidos no assunto, e ele inseriu uns cem livros na biblioteca do meu IPAD, um tesouro que eu passei a carregar na minha mochila a todos os lugares, sem me pesar nada mais do que umas poucas gramas.

Pois acreditem, na primeira passada que eu dei nos títulos, minha vista bateu direto no O Apanhador no Campo de Centeio. Não deu outra, li suas 300 páginas sem ver o tempo passar, dentro de um avião, numa viagem de ida e volta a Belo Horizonte. Foram seis horas grudado em um texto fascinante. A estória, em si, chega a ser até meio boba, mas não o cenário da década de 1950 nem os fatores de época que a cercam. Conta as peripécias de um rico e revoltado jovem de 17 anos, Holden Caulfield que, expulso de mais um colégio de alto nível, resolve embromar o fim de semana por hotéis baratos e ruas de Nova York, onde residia, enquanto não enfrentava a autoridade do pai austero.

O Apanhador é todo narrado na primeira pessoa, mas J. D. Salinger já tinha 32 anos quando o escreveu. Na verdade, o livro foi uma revolução, tanto de linguagem como no modo de dar voz a uma juventude que, naquele tempo, não tinha voz e nem vez. Daí os jovens terem se identificado com toda a revolta e com as verdades ditas de forma bruta, como se, finalmente, o personagem Caulfield falasse para os adultos tudo aquilo que eles tentavam dizer sem serem ouvidos.

O livro vendeu 60 milhões de exemplares e continua vendendo 250 mil exemplares por ano, só nos Estados Unidos. Transformou o recluso Salinger num milionário excêntrico e mexeu excessivamente com a cabeça de alguns adolescentes de pouca cabeça que, num ato de total insensatez, resolveram passar da teoria à prática. No meu caso, quero deixar bem claro que terminei o livro em estado de êxtase pelo conteúdo e estilo do texto, mas, pelo menos por enquanto, ainda não senti vontade de matar ninguém.

Recomendo para quem aprecia bons textos e boa literatura.

 

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