Por João Canto.
O Rio Amazonas, com suas águas caudalosas, misteriosas, certas vezes perigosas, sempre foi palco de histórias que atravessam gerações. Recentemente, recebi algumas fotos que me transportaram diretamente aos anos 80, em Óbidos, uma época em que a diversão era encontrada nas coisas simples, como descer o rio sobre troncos de madeira. As imagens feitas por André Alves mostram jovens, revivendo essa prática antiga, partindo da antiga Oficina do Sr. Yugi Maruka, até a famosa Cabeça do Padre.
Para quem não conhece essa região, é necessário um pouco de contexto. A área compreendida entre a comunidade do Sucuriju, passando pelo Geretepaua, até a Cabeça do Padre forma uma praia sazonal, que durante a seca acumula troncos de árvores trazidos pelas cheias. Esses troncos se tornam verdadeiros brinquedos para os jovens que, no auge do verão, empurram-nos para as águas do Amazonas e, com coragem e destreza, se equilibram sobre eles, deixando que a correnteza os leve. A aventura termina sempre de forma abrupta, quando as águas os arrastam para o meio do rio, obrigando os jovens a pular e nadar de volta à margem.
A paisagem desse trecho do rio descendo pela margem esquerda é simplesmente deslumbrante. Uma encosta de arenitos argilosos se estende por toda a praia, elevando-se entre cinquenta e oitenta metros acima do nível da água. Em tempos passados, arirambas costumavam nidificar nessas escarpas, oferecendo um espetáculo raro de vida selvagem. Hoje, embora mais raras, essas aves ainda são vistas por quem tem olhos atentos para a natureza.
As praias ao longo do rio não são apenas cenário de brincadeiras. Elas também servem de ponto de encontro para quem busca um banho refrescante ou um momento de lazer à beira d'água. A pesca é outra atividade comum, especialmente durante a piracema, quando espécies como, piramutabas, piracatingas e outros peixes são capturados com frequência. No entanto, a pesca ali não é isenta de desafios; os anzóis e tarrafas muitas vezes ficam presos nos galhos ou pedras submersos, frustrando os pescadores.
Lembro-me como se fosse hoje uma vez que me aventurei nessa brincadeira. Era um dia quente e ensolarado, e eu e mais uns amigos decidimos descer o rio a partir da oficina do Sr. Yugi. Entre nós, havia um jovem que nunca tinha participado da brincadeira antes, e nós não imaginávamos que ele teria dificuldades. Descer o Amazonas sobre um tronco exige mais do que coragem; é preciso ser um bom nadador, ter um bom preparo físico e saber o momento exato de pular para evitar ser arrastado pela correnteza para o meio do rio. Como dizem os obidenses: “Não é pra muito novo, nem pra muito velho”.
A descida até a Cabeça do Padre foi tranquila, com todos gritando de excitação. Mas, logo depois de passar pela Cabeça do Padre, o momento de pular chegou. Todos gritaram, já, e saltaram para a segurança da margem, exceto o jovem inexperiente, que ficou ainda agarrado ao tronco. Ele foi avisado pra não largar o tronco, que logo adiante, o remanso do rio o jogaria para o meio do Amazonas, onde a correnteza é ainda mais forte e perigosa.
Desesperados, pedimos ajuda a um pescador que estava por perto. Ele rapidamente manobrou sua canoa até o tronco e resgatou o jovem, que estava pálido de medo, mas são e salvo. O alívio que sentimos foi imenso, e a partir daquele dia, nunca mais participei dessa brincadeira.
As fotos que recebi recentemente mostram que essa tradição de descer o rio sobre troncos ainda vive, atravessando gerações. Foi o reencontro com as lembranças mais profundas saber que, mesmo com todas as mudanças que o tempo traz, algumas brincadeiras permanecem as mesmas, desafiando o tempo. A brincadeira continua a ser um rito de passagem para os jovens da região, uma prova de coragem e uma maneira de se conectar com o rio, que sempre foi e sempre será a veia pulsante da nossa terra.
Essa lembrança não é apenas uma recordação; é um testemunho de como o Rio Amazonas molda não só a geografia, mas também a alma daqueles que crescem em suas margens. Essa tradição continua a ser repassada entre as gerações, com as águas do Amazonas carregando nossas histórias, assim como carregam os troncos de árvores que, para nós, sempre serão mais do que simples pedaços de madeira.
Fotos de André Alves.
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