CENAS DA VIDA

CENAS DA VIDA

Jorge Ary Ferreira

Momentos especiais na vida são geralmente momentos de recordação. Tornam-se ainda mais especiais por sempre nos levarem ao encontro de pessoas queridas que habitam nossa memória: amigos, familiares, conterrâneos... Enfim, atores que atuaram nesse grande teatro chamado vida. Durante essas viagens ao passado, há sempre um encontro marcado com aqueles que mais me fizeram rir nesta vida: Ary e Dídimo Ferreira. Duas figuras ímpares! Onde estivessem, as "resenhas" – como hoje chamam esses momentos – eram sempre muito divertidas.

Todos os dias, tio Dó subia da olaria e parava em nossa casa. Ia direto na garrafa de pinga do papai, servia-se de uma dose, olhava para a mamãe e dizia:
– Cadê, Dina? Não tem nada por aí?

Mamãe saía e, quando voltava, trazia um petisco na ponta de um garfo para ele "tirar o gosto". Nisso, papai chegava, servia a dose dele, e a prosa rolava solta. Lembro de uma vez em que papai comentou:
– Dó, não tem mais respeito. Moleques de 13 a 15 anos não se controlam nas conversas de adultos, e às vezes só faltam matar a gente de rir pelas situações que criam.

Depois da festa do Adir Vaz, fui pegar uns pacus na casa do Riso Nunes, na boca do Mamauru. Tinha um monte de molecões, ainda meio porres da festa. Enquanto tomávamos um café com a família do Riso, eis que surge o Jaburu debaixo do assoalho, batendo a poeira da calça. Ele deu uma espreguiçada e soltou:
– Ai, ai, nem fudi!

Antes que ele fechasse a boca, a mão do Riso já cantou no cangote:
– Respeita as famílias, sujeito!

Tio Dó foi às gargalhadas. Essas cenas são corriqueiras, e sempre causam embaraço e boas risadas. Quando me lembro delas, é como se reencontrasse meu pai e meu tio querido, imaginando as boas gargalhadas que dariam juntos.

No Rio da Ilha, havia uma senhora muito querida por todos, Dona Florinda. Era ela quem fazia os partos, benzia os quebrantos, puxava as ladainhas e estava sempre disposta a ajudar. Certo dia, Saleiro – um jovem do lugar – estava rodeado de várias pessoas da comunidade, que naquele momento recebiam a triste notícia do falecimento de Dona Florinda. Num rompante de revolta, ele questionou a Deus:
– Mas é verdade, meu Pai do Céu? Com tanto miserável neste Rio da Ilha, o Senhor me leva logo Dona Florinda?

Os presentes se entreolharam, consternados, sem saber o que dizer, mas concordando em silêncio com o desabafo do Saleiro.

Do Igarapé das Fazendas veio outra história, desta vez sobre Pedro Gomes. Quando ele deixou a comunidade para viver em Juruti, seus familiares ficaram orgulhosos de sua decisão, já que ele estava estabelecido, trabalhando e sendo músico – tocava sax na melhor banda da cidade. Certo dia, foi indagado por um ouvinte sobre o nome da banda, e sua irmã respondeu:
– Os Super Quentes!

Um moleque que estava ouvindo a conversa exclamou:
– Hã! Super quente que eu conheço só cu de peru!

E mais recentemente, narraram-me um caso de uma comunidade do nosso "interiorzão". Uma mãe estava cuidando de uma de suas filhas, que, sentada num banco sob uma cuieira, se sentia enjoada e prestes a vomitar. Um curumim, neto da senhora, estava de cócoras, acompanhando a avó, que acudia a menina. Nesse momento, passou um conhecido morador, que perguntou à senhora:
– Foi comida, Dona Mariquinha?

E o moleque, que não tinha nada a ver com a conversa, respondeu:
– Foi! Mas o Jacó da Dona Valdirena já disse que casa!

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