Célio Simões (*).
Em novembro de 2023 o Governo Federal, através da Secretaria de Educação Básica do MEC, lançou um programa de incentivo financeiro-educacional na forma de poupança, destinado a promover a permanência dos estudantes carentes do ensino médio nas escolas públicas, intitulado de “PÉ-DE-MEIA”.
Esse auxílio financeiro tem como objetivo viabilizar o acesso à escola e minimizar a desigualdade social entre a nossa juventude, com vistas à inclusão social através da educação, tendo como parceiros estratégicos o Ministério da Fazenda, o Ministério do Desenvolvimento Social, a CEF e algumas destacadas universidades federais.
A conhecida expressão popular já inspirara Rita Lee, nossa saudosa “Rainha do Rock” falecida em 2023 (que vendeu nada menos que 55 milhões de discos ao longo da vida), a compor uma música de muito sucesso, também denominada “PÉ-DE-MEIA”, no sentido de reserva monetária, conforme se vê na primeira estrofe da dita composição:
“PREPARAR ESSE PÉ-DE-MEIA
PRA ENFRENTAR A VELHICE
E SE LEVA A VIDA INTEIRA
PRA SABER QUE É UMA BOBOQUICE
PREPARAR ESSE PÉ-DE-MEIA
PRA ESCONDER A IDADE
A DESCULPA É COSTUMEIRA
TEM QUE TER PERSONALIDADE (...)”
Mas aí vem a pergunta: De onde surgiu essa corriqueira expressão?
A quase unanimidade das fontes informa que ela tem suas origens nos países da Europa, pelo costume que as pessoas tinham de usar um lado da meia, cujo outro já fora descartado, para guardar suas economias. Nossos avoengos copiaram essa prática trazida pelos portugueses e passaram a dissimular o local onde guardavam suas reservas, utilizando as meias que caíam em desuso, escondendo-as com seus tesouros em armários e baús que existiam nos casarões de então, à míngua da existência dos bancos, que só na segunda metade do Século XX ganharam impulso, disseminando agências nas capitais e no interior, trazendo com elas as bem-amadas cadernetas de poupança, reserva de emergência sob a forma de investimento, que se tornou a preferida dos brasileiros, apesar do diminuto rendimento que atualmente oferece.
O certo é que a expressão chegou para ficar e a exemplo do programa do Governo Federal ou da música de Rita Lee, todo mundo a ela recorre quando deseja apregoar que financeiramente já assegurou seu próprio futuro ou dos filhos, que já está “com o burro amarrado na sombra”, ou que o vidão folgado que leva se tornou “mais manso que jumento de verdureiro”...
Vou fazer meu “PÉ-DE-MEIA” ou estou fazendo o meu “PÉ-DE-MEIA” ouvimos frequentemente dos recém-saídos das universidades, que ainda não se estabilizaram economicamente na vida. Esse “PÉ-DE-MEIA”, escrito com hífen, diz respeito à suada grana que guardamos para uma situação de emergência, para reforçar a aposentadoria ou realizar aquela sonhada viagem, dando-lhe uma conotação exclusiva de reserva pecuniária. Tanto que um espirituoso sujeito metido a filósofo, famoso pela irreverência, costumava dizer:
- Parente, a gente tem que arranjar um jeito de ganhar dinheiro pra fazer o “PÉ-DE-MEIA”. Nem que seja honestamente...
Se, entretanto, essa mesma expressão for escrita sem o uso do hífen, não significa que ela está incorreta e sim, que a pessoa está fazendo alusão somente à parte da meia que envolve o pé, sem conotação com a reserva de dinheiro ou com o “porquinho” onde as moedas são guardadas. Regra geral, são essas - e apenas essas - as duas maneiras de grafar tal expressão, assim como literalmente são seus dois únicos significados, acima informados.
Como toda regra tem exceção, que eu saiba existe um terceiro significado, mas esse era utilizado somente pelo vaqueiro “Raimundão Pureza”, um sujeito rude, de pouca conversa, invocado, festeiro e mulherengo, que errava pelas fazendas do Trombetas, facão embainhado balançando na cintura, ganhando a vida como amansador de cavalos para os fazendeiros da região.
Assustador em sua estatura solar, avesso aos costumes civilizados, não usava sapatos, desprezava sabonete, loção e creme de barbear, cortava o cabelo sozinho para o barbeiro não passar a mão na cara dele, reclamava que quando vestia cueca não acertava a dançar e só dormia depois calçar seus meiões de jogador de futebol, que ele chamava de “MEUS PÉS DE MEIA”, ritual nunca esquecido para que não perfurasse a rede com as unhas dos pés, que ele jamais cortava e nem deixava ninguém cortar!
(*) O autor é advogado, escritor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Artística e Literária de Óbidos, da Academia Paraense Literária Interiorana, da Confraria Brasileira de Letras, do Instituto dos Advogados do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós.