Edu Dias
Era o ano de 1972, a cidade de Óbidos vivia as agruras do regime militar, já havia perdido o destacamento do Exército e o Colégio das Freiras, mas a cultura popular continuava efervescente, sobretudo no reduto do bairro da Prainha, na Ruy Barbosa e na Dr. Machado, onde imperava o Boi Pintadinho, garboso, ao comando do Floriano, o “dançarino do vento”, denominação carinhosa do compositor Wander de Andrade ao amo cantador de saudosa lembrança, mais conhecido por Florí.
Por essa época, existiu também a primeira tentativa de Escola de Samba, a “Portela”, tinha a liderança do Antônio, filho do Famoso Pé de Arpão. O bairro da Prainha sempre foi um caldeirão de personagens ligados á cultura popular, legado herdado nos dias atuais pelo Bloco Serra da Escama, que desponta toda sexta-feira de carnaval pelas ladeiras de Óbidos.
O Clube social ARP (Assembleia Recreativa Pauxis) vivia o auge do seu glamour, e a sociedade local dançava os bailes de paletó, onde certamente não podia entrar moça mãe solteira, moça “mal falada”, mesmo que fosse filha de algum sócio. Era o clube tradicional do burgo Pauxis. Na ARP aconteciam os bailes de carnaval de salão, a juventude local participava com pequenos blocos vestidos de fantasias temáticas feitas pela Dona Adalgisa, minha mãe.
Aos domingos, os arrastões de carnaval aconteciam ao som das bandinhas de sopro, músicos como Idalmir, Miguel, Graciliano, Presidente, Manoel Rodrigues, Rosildo, eram figuras carimbadas, e os blocos mais famosos eram do seu Aldenor e Mário Prata. Os tradicionais Mascarados Fobós, hoje personagem ícone do carnaval obidense, apareciam de todos os lados com seus capacetes enfeitados, sempre apitando, nas mãos traziam talcos para jogar nos transeuntes, ou bexiga de boi para atazanar a vida de quem atravessasse na frente. Esse foi um momento precursor do Carnapauxis que tem em Óbidos o melhor carnaval do Pará.
Mas havia um dia especial no meio dessa folia toda, era na terça-feira, quando o famoso empresário do ressinto Laguna Azul - o Artemija, entrava no meio da festa com uma nova concepção de brincar o carnaval. Esse lendário estabelecimento Laguna Azul ficava na periferia obidense, bem em frente de um pequeno balneário que não existe mais, também emprestava o nome a casa. Afinal, tratava-se de um prostíbulo prestigiado, uma espécie de “Bataclan” obidense, onde figurões da elite por lá frequentavam.
Na terça-feira de Carnaval, toda a molecada da minha geração ficava atenta para ver passar o Bloco do Artemija, era a oportunidade que tínhamos para conhecer o esquadrão de ouro que frequentava o Laguna Azul. Posto que alugava um caminhão e colocava em cima todas as suas vedetes, na parte de traz, um pequeno conjunto pra animar e fazer a festa, assim desfilava pelas ruas da velha Pauxis tocando as marchinhas carnavalescas, com certeza as mesmas que também tocavam no clube da ARP.
Pras pessoas mais tradicionais em Óbidos, aquilo era uma afronta, um escândalo, a igreja chegava a fechar suas portas, porque o atrevido bloco, em verdade o primeiro Trio Acústico que apareceu na cidade, dava voltas em torno da Praça de Santana, naquela época, principal reduto onde os blocos se encontravam na quadra momesca obidense.
E lá em cima estavam garbosas, todas elas, com a consorte Maria Monteiro de cetro nas mãos, a rainha Chica Guedes sentada em cima da boleia, esbanjava toda a sua nobreza como se estivesse num verdadeiro trono. Ao seu lado, Elza, seguidas de Lúcia Cupido, Curica, Serginha, Rosa do Grilo e Lurdinha, as mais famosas. Maria Monteiro ostenta a faixa que denuncia o ano, exatamente, aquele 1972. Artemija está em pé com a mão encostada na carroceria do caminhão. A foto foi tirada na Praça de Santana pelo mais famoso fotógrafo de Óbidos que residia nas proximidades, o seu Nato.
Essa foto é memorável, sobretudo, porque remonta os antigos carnavais de Óbidos, e nos traz essa história esquecida, de certa forma audaciosa pra sua época. Consegui com uma sobrinha do Artemija que mora na vizinha Oriximiná, nada mais nada menos que a maior atriz humorista da nossa região, a Anielli Valério. Está estampada num quadro na sala do escritório da Produtora Uirapuru, que além de me causar surpresa, entendi que não poderia deixar de comentar o achado, porque se tratava de um resgate da cultura e do comportamento social do povo obidense, nos inícios dos anos 70.
As informações sobre as vedetes que estão no caminhão me foram passadas pelo Paulo, também sobrinho do Artemija, que aos 22 anos trabalhava com ele atrás do balcão no lendário Laguna Azul. Ainda me afirmou que após o desfile pelas ruas, a noite, acontecia um big baile carnavalesco nas dependências do Laguna Azul, sendo o maior faturamento que a casa conhecia durante todo o ano.
Foto do arquivo de Eduardo Dias