Educação integral: dilemas e desafios na disputa de projetos antagônicos

Educação integral: dilemas e desafios na disputa de projetos antagônicos

Pesquisa sistematiza resultados de estudos feitos a partir do Procad que envolveram Ufopa, Unir e Unicamp

Educação gratuita, laica e integral como direito universal ou como mercadoria a ser vendida e comprada, atendendo aos interesses do mercado? Essa polaridade enfatizada no questionamento é uma das constatações de uma pesquisa que o professor Anselmo Alencar Colares, da Universidade Federal do Oeste do Pará, está fazendo a partir da sistematização dos estudos realizados em três estados da Amazônia na área da educação, entre os anos de 2014 e 2018, com base na cooperação científica entre a Ufopa, a Universidade Federal de Rondônia (Unir) e a Universidade de Campinas (Unicamp), no âmbito do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad).

A primeira etapa do levantamento foca as pesquisas produzidas na graduação e na pós-graduação da Ufopa. São 67 trabalhos: dissertações de mestrado (25 concluídas e 2 em andamento), trabalhos de conclusão de curso de graduação (7 concluídos e 3 em andamento), atividades de iniciação científica (22 concluídas e 2 em andamento) e pesquisas de pós-doutoramento (3 concluídas).

O Procad, desenvolvido com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), aprovado no ano de 2013, por edital, abriu a possibilidade para o desenvolvimento de projetos conjuntos envolvendo docentes pesquisadores e estudantes de iniciação científica e da pós-graduação. Apenas dois projetos foram selecionados. Um deles é o que está sendo retratado nesta matéria, com o título “As experiências pedagógicas das políticas de educação integral na Amazônia: rede de pesquisa e formação acadêmica (Unicamp-Unir–Ufopa)”, enfatizando a temática sobre a educação integral nos estados do Pará, Rondônia e Amazonas.

A perspectiva do projeto foi identificar e analisar a situação concreta da política de educação integral, observando as formas conceituais utilizadas, as práticas em desenvolvimento e os desafios encontrados na realidade amazônica.

A partir de resultados preliminares, o estudo mostra a existência de uma confusão no entendimento de educação integral com escolas de tempo integral. Também ressalta a fragilidade das políticas, com a redução ou cortes no financiamento de programas e aponta a importância da formação do professor no processo educativo do aluno em sua integralidade.

Educação como direito X educação como mercadoria

Um aspecto significativo da polaridade na concepção de educação integral são os projetos políticos societários em disputa. Por um lado, a educação é vista como formação humana, e, por outro, a partir das políticas distributivas e compensatórias presentes no ideário neoliberal.

Observa-se o direito à educação fundado no direito a ter direitos, que colocam o foco do processo educativo no sujeito social. E há a visão do direito à educação como direito à mercadoria e à acumulação de capital. “No ideário neoliberal, os sistemas educacionais devem estar subordinados a demandas do mundo do trabalho, no sentido de garantir a empregabilidade. A educação deve oferecer ferramentas para o indivíduo competir. As políticas educacionais devem abarcar as orientações e marcos teóricos baseados na lógica da economia privada: da competição, do lucro e da mensurabilidade”, explica o professor Anselmo.

Segundo ele, é uma polarização interessante para ajudar a sociedade a refletir sobre os fundamentos da educação. “O direito à educação é a base de todos os demais direitos”, completou. De acordo com a pesquisa, entender a educação como “base de todos os direitos” é observar que por ela se tem a leitura da palavra escrita que potencializa a leitura de mundo. Como os direitos estão expressos em textos escritos, se a pessoa não consegue ler, pode desconhecê-los e ser privada deles.

Em disputa estão dois grandes projetos. Um vê a educação como direito e outro como mercadoria. “Vendo a educação como mercadoria, o que entra em cena é a ideia de empregabilidade, de competição, ideia de que não dá para oferecer a mesma coisa para todos. Então, para uns é um tipo de educação que apenas os prepare para execução de tarefas básicas, e para outros, dotados de certas habilidades diferenciadas, a possibilidade não tem limites”, destacou Colares. Assim, de acordo com o professor, mantém-se a separação da sociedade entre aqueles que apenas realizam as tarefas e aqueles que, supostamente, pensam e dão os rumos nas diversas áreas.

Educação integral

Outra observação do estudo diz respeito à compreensão sobre o que, de fato, é a educação integral. Algumas das pesquisas realizadas demonstram que, quando se pergunta a estudantes, professores e gestores sobre a concepção de educação integral, as respostas revelam ainda muita fragilidade, uma baixa compreensão.

Para alguns, educação integral está associada com a ideia de aumentar o tempo na escola, independente do que vai fazer com esse tempo. Para outros, aparece a ideia de educação integral como oportunidade de inserir alguma coisa a mais em termos de conteúdo formativo. De acordo com professor Anselmo, nessa perspectiva, não se considera a abrangência do conceito, relacionado à formação humana, não se pensa na integralidade das necessidades de cada pessoa. Pensar na formação integral é pensar na pluralidade das pessoas com relação a gênero, à condição social, a crenças, entre outros elementos que fazem parte da existência humana. Então, a grande questão é: como a escola pode trabalhar de maneira a formar pessoas para o convívio respeitoso e solidário com essas diferenças?

Pensar em uma educação integral é pensar em uma educação que ofereça a todos as mesmas oportunidades. As escolhas já vão ser coisa de cada um. E para isso é necessário investimento forte e permanente na formação do professor e na construção e manutenção de escolas com recursos diversos.

Formação do educador é a base da educação integral, mas as condições estruturais são imprescindíveis

Algumas das pesquisas analisadas constataram que há poucos casos em que escolas foram construídas levando em conta as necessidades estruturais para que os professores possam, efetivamente, realizar a educação integral. Ou seja, as construções não favorecem a realização de atividades diversificadas, e assim contribuem para a reprodução da forma tradicional de ensino, faltando espaços como refeitório ou área de lazer e outras, nas quais se possam desenvolver atividades variadas diferentes das que são realizadas em sala de aula. “São raríssimas as escolas que apresentam essa característica. Os nossos prédios ainda são muito parecidos com prédios dos séculos XVII, XVIII, embora as crianças sejam contemporâneas a nós, no século XXI”, disse Colares.

Por outro lado, mesmo nas poucas escolas que já têm espaços diferenciados, às vezes não se percebe um melhor aproveitamento. São espaços novos sem o uso diversificado que proporcione uma melhor formação dos educandos, pela falta de educadores qualificados.

Essa observação revela que a formação do professor é que faz a diferença. Com formação sólida, ele cria as possibilidades na concretização do seu trabalho, fazendo a diferença no processo educativo. Se não tem essa formação, vai repetir as mesmas coisas, mesmo diante de um cenário de outras possibilidades.

A princípio, são duas constatações: que é muito importante que as escolas apresentem condições estruturais e que o professor tenha formação que garanta o melhor aproveitamento dessas estruturas. São situações complementares para a concretização dos processos de formação integral do educando.

De acordo com o professor, para esse processo é necessário um grande investimento, principalmente na formação e na valorização do educador. “Uma formação desse tipo não pode ser abreviada. Exige uma graduação de pelo menos uns quatro anos com aulas teóricas, atividades práticas, estágio. Poucos se dispõem a fazer um curso passando todo esse tempo, quando sabem que depois não vão ter retorno financeiro. Às vezes, jovens que teriam grandes possibilidades de serem bons profissionais da educação terminam migrando para outras áreas que são mais atrativas”, reforçou Colares.

Ele também ressaltou que outra parte do dilema refere-se aos que se formam professores e vão trabalhar em escolas que não oferecem a estrutura e as condições adequadas para as práticas educativas e se desanimam, principalmente no ensino público. Esses “ou saem da área ou caem na vala comum de ficar fazendo as mesmas coisas sem dar vazão às potencialidades, por estarem em locais que não oferecem as condições”, finalizou.

Rosa Rodrigues - Comunicação/Ufopa

 

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