CINE ACÁCIA: uma história de saudades

CINE ACÁCIA: uma história de saudades

Por João Canto. 

Recentemente, publicamos neste site a matéria “Os Cinemas do Meu Tempo”, de autoria de Dino Priante, na qual ele relata a existência de três salas de cinema em Óbidos: Cine Trianon, Cine Naomi e Cine Acácia. Este último funcionou durante as décadas de 1970 e 1980, período no qual várias gerações de obidenses puderam se divertir, constituindo uma das opções de lazer mais apreciadas na época.

O Cine Acácia foi o último cinema a funcionar em Óbidos. Localizava-se ao lado da Praça Frei Rogério (Praça do O), em um prédio que permanece de pé até hoje. Foi idealizado por Miguel Canto (in memoriam), que relata em seu livro Lembranças como surgiu a ideia de construir um cinema em Óbidos:

“Observando que a cidade começava a se desenvolver sem nenhuma opção de divertimento, a não ser o clube do saudoso Antonico Pé de Arpão, no bairro da Prainha, que, além de ser a sede oficial do boi-bumbá Pintadinho, promovia festas aos finais de semana, e a Laguna Azul, do corajoso Manoel Artimija, na periferia da cidade, que proporcionava, além da diversão, um gostoso banho nas águas do laguinho, resolvi construir um prédio no centro da cidade para que nele funcionasse um cinema.”

Prédio do antigo Cine Acácia

O prédio do Cine Acácia foi construído na década de 1970. A planta foi desenhada pelo engenheiro Dr. Madeira, e a execução da obra ficou sob responsabilidade do mestre de obras Floriano, que, junto com sua equipe, construiu o edifício medindo 15 metros de frente por 33 metros de fundo, totalizando 495 m² de área construída.

Durante a construção, Miguel relata em seu livro uma série de dificuldades para concluir o projeto: questões financeiras, obtenção de financiamento, administração da obra, entre outras. Uma das maiores dificuldades foi a construção do telhado, que exigia peças de madeira muito grandes para vencer o vão do prédio. Na época, não havia serraria capaz de fornecer o material necessário. Ele relata:

“A madeira para a estrutura do telhado tinha que ser bem forte, pois, para um vão de 15 metros de largura, eram necessários cuidados especiais. Nas serrarias da cidade não existia madeira com consistência suficiente para receber o peso do telhado. Partimos então para a floresta, onde foi necessário armar uma verdadeira operação de guerra para abater grandes árvores de maçaranduba, prepará-las em grandes vigas somente na base do machado e transportá-las para a cidade. Resolvido também esse problema, seis meses de luta depois a obra estava concluída.”

Projetor do Cine Acácia

Após a conclusão do prédio, Miguel deu continuidade ao projeto: comprar os projetores, contratar o fornecimento de películas e colocar o cinema em funcionamento. Conversou com o senhor Raul Loureiro, dono do famoso Cine Olímpia, em Santarém, mas foi por meio de Nélio Pinto, que possuía uma rede de cinemas no sul do Pará, que conseguiu concretizar o sonho de montar um cinema em Óbidos: o Cine Acácia, que inicialmente não tinha ar-condicionado nem ventiladores, contando apenas com ventilação natural pelas portas laterais.

Assim, o Cine Acácia foi inaugurado. Segundo Miguel, os operadores das máquinas eram Antônio Sérgio Amorim, o conhecido Pintinho, e seus ajudantes Atanilton e Nilcinho, que muitas vezes precisavam recuperar as películas que chegavam danificadas. Trabalhavam também no cinema o senhor Joaquim (Rainha) e outros colaboradores.

Conversamos com algumas pessoas que vivenciaram a época áurea do Cine Acácia, que recordaram passagens marcantes relacionadas aos filmes exibidos.

A obidense Nicelene Santos relembrou os bons tempos em que a juventude se divertia nas sessões vesperais, geralmente aos sábados e domingos. Comentou:

“Dois filmes que me marcaram muito foram Ben-Hur e Romeu e Julieta. Quando criança, meu pai me deixava assistir aos filmes da sessão da tarde de domingo no Cine Acácia. Eu ficava contando nos dedos os dias para chegar o domingo e ir ao cinema. Era uma delícia quando tocava a música ‘Tema de Lara’; era o sinal de que a sessão ia começar. Depois, já adolescente, assisti a alguns filmes à noite, inclusive esses dois. Ah, e aos domingos eu amava assistir aos filmes históricos de gladiadores, que tinham o ‘Maciste’ como protagonista. Alguém lembra? Bons tempos!”

Modelo de cadeiras do Cine Acácia

Francisco Di Paula, relembrou dos personagens que mantinham o Cine Acácia Funcionando:  No recebimento dos tickets (ingressos), Miguel Canto. Tinha o seu Armando e o seu Joaquim (o Rainha). Nessa época as bebidas que eram vendidas: Guaraná Garoto, Guarasuco, Larasuco, Grapete, Fanta e Pepsi-Cola, dentre outros.

Francisco Di Paula relembrou os personagens que mantinham o Cine Acácia funcionando: no recebimento dos tickets (ingressos), Miguel Canto; trabalhavam ainda o seu Armando e o seu Joaquim (o Rainha). As bebidas vendidas eram Guaraná Garoto, Guarasuco, Larasuco, Grapette, Fanta, Pepsi-Cola, entre outras.

O domingo era sagrado. Lembro que meu amigo e vizinho Roberto Bentes, filho do Antônio da Aurora, ou Antônio Chofer, e eu éramos inseparáveis. Íamos e voltávamos juntos das sessões de domingo. Quando o filme era bom, no meio da semana tínhamos que ‘mostrar serviço’ na escola, em casa e em todos os recados dos velhos, para que nos deixassem ir ao cinema”, recorda Di Paula.

Ele também lembra que:

“Sempre, na hora da projeção, justamente na parte mais esperada do filme, tinha um ‘espírito de porco’ que, após beber o refrigerante, deixava a garrafa ‘descer’ da parede da projeção até a base da tela. A mãe do ‘espírito de porco’, nessa hora, geralmente era ‘homenageada’. E quando a fita arrebentava? Que flagra! Que flagra! Que flagra! Amigos, dá para escrever um best seller!”

Áurea Regina também relembra:

“Assisti Romeu e Julieta, E o Vento Levou, A Lagoa Azul, Os Embalos de Sábado à Noite e outros.”

Frequentadora assídua do Cine Acácia, Letícia Savino recorda:

“Além de todos esses filmes, havia os de faroeste, que me encantavam. O Dólar Furado, com Giuliano Gemma, e aquela música tema assobiada… lindo demais! Eu tinha um caderninho em que anotava todos os filmes que assistia. Houve uma época em que eu ia mais de uma vez por semana, porque tinha que acompanhar certo alguém que queria namorar. Até filme proibido assisti, pois era menor, mas tinha que entrar no cinema kkkkk. Bons tempos! Gungala, a Pantera Nua e muitos outros.”

As lembranças ficaram gravadas na memória de todos que frequentaram o Cine Acácia, com seus filmes inesquecíveis. Destacamos também os faroestes: O Dólar Furado, Django, Trinity, Sete Homens e um Destino, Era uma Vez no Oeste, Oeste sem Lei, entre outros.

Os filmes de kung fu estrelados por Bruce Lee fizeram enorme sucesso entre a garotada: A Fúria do Dragão (1972), O Voo do Dragão (1972), Operação Dragão (1973), Jogo da Morte (1978), entre outros. Ao sair do cinema, os meninos já imitavam os golpes vistos nos filmes; muitos fabricavam seus próprios nunchakus e treinavam para mostrar suas habilidades aos amigos.

Outro grande sucesso eram os filmes do Tarzan — na saída, o tradicional grito ecoava pela praça. Hoje, todos esses filmes podem ser assistidos em plataformas de streaming.

O Cine Acácia encerrou suas atividades, segundo relato de Miguel Canto, por causa do advento da televisão, que reduziu significativamente a frequência de público, tornando a continuidade inviável. Depois do encerramento, o prédio serviu para diversas outras atividades e, atualmente, encontra-se desocupado. Os projetores foram doados ao Museu Integrado de Óbidos, cujas fotos estamos publicando.

“Era gostoso ver todos os dias o cinema com ótima frequência. Era gostoso ver que a população estava correspondendo à nossa expectativa”, recorda Miguel Canto, saudoso,  sobre os tempos áureos do Cine Acácia, em seu livro Lembranças (2002).

Canto, Miguel: LEMBRANÇAS. Miguel Canto - Santarém: ICBS 2002 (Páginas de 66 a 70)

www.obidos.net.br – Fotos de João Canto e Vander N Andrade, Livro cedido por Williams Canto

Comentários  

+1 #1 Marcella Canto 15-10-2021 18:55
Obrigada por esse artigo tão cheio de “Lembranças” do meu pai. Brinquei muito nas cadeiras do cinema, era o meu castelo particular! Só a sala do projetor era proibida. Saudade sem fim!
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