Célio Simões(*).
Você sabia que o peixe é o único animal que continua a crescer mesmo depois de morto? Então pergunte a qualquer pescador... Seguindo a tradição, nenhum pescador que se preze conta que pescou alguma coisa do tamanho exato que veio no anzol, na tarrafa ou na rede, porque sempre ele dirá que foi bem maior do que aquilo que realmente foi pescado.
No Brasil, o primeiro registro do “DIA DA MENTIRA” foi há quase dois séculos, em 1828, quando o jornal mineiro curiosamente intitulado “A MENTIRA”, trouxe falsamente em sua primeira edição a notícia da morte de Dom Pedro I, justamente no dia 1º de abril. Descoberta a patranha, surgiu a afirmação de que "A MENTIRA TEM PERNAS CURTAS" ou, em sentido figurativo, a afirmação de que “É MAIS FÁCIL PEGAR UM MENTIROSO DO QUE UM COXO”.
Embora possam ser danosas as consequências de uma história mendaz, no Dia da Mentira pessoas de todo o mundo brincam umas com as outras, pregando peças e contando balelas. Algumas antológicas, tanto que deram origem aos concursos de mentiras espalhados Brasil afora.
Certame mundialmente famoso é o Festival da Mentida de Nova Bréscia, no Rio Grande do Sul, considerada a capital nacional da mentira, realizado a cada dois anos, em que atua uma banca julgadora integrada por jornalistas, publicitários, professores e coordenadores culturais, que escolhe a mentira vencedora, dentre as mais cabeludas que são contadas, premiando o vencedor com uma recompensa em dinheiro.
“Eu não gosto do mentiroso que mente para prejudicar os outros, eu gosto de mentiroso que mente por amor à arte”, dizia o impagável Ariano Suassuna, que tinha um verdadeiro repertório sobre a mentira e os mentirosos. Também na literatura brasileira, outro personagem se destaca. Mistura de poeta, escritor, folclorista, compositor, conferencista e contador de causos, Cornélio Pires arriscou um elenco de mentiras bem boladas.
Em um de seus vinte livros sobre a vida e os costumes da roça, contou sobre o pai de família que para festejar os 15 anos de sua filha mais velha, preparou um festão na qual a principal atração entre as fartas iguarias oferecidas aos convivas, estava um vistoso e caríssimo queijo suíço, que ele entretanto não permitiu que fosse cortado nem servido aos que compareceram justamente de olho nele. Todo mundo saiu com água na boca, desfrutaram da comilança que foi servida, mas foram impedidos de sequer provar o tal queijo, que pelo seu poder de atração de público, passou a ser alugado pelo dono para motivar com maciças presenças, todas as festas de 15 anos do lugar.
Outra assertiva é que “para mentir precisa ter boa memória” e disso sabem muito bem advogados, promotores e magistrados, pois nos interrogatórios judiciais as testemunhas às vezes distorcem os fatos e mais adiante, esquecidas do que disseram, acabam por revelar inteiramente a verdade caindo em notória contradição.
Na música popular brasileira, no já distante ano de 1981, Erasmo Carlos nos brindou com “Pega na Mentira”, parece que feita sob medida para o dia 1.º de Abril, mas surpreendentemente atual, mesmo passados mais de 40 anos:
“ZICO TÁ NO VASCO, COM PELÉ
MINAS IMPORTOU DO RIO, A MARÉ
BEIJEI O BEIJOQUEIRO, NA TELEVISÃO
ACABOU-SE A INFLAÇÃO
BARATO É O MARIDO DA BARATA
AMAZÔNIA PREZA A SUA MATA
PEGA NA MENTIRA, PEGA NA MENTIRA
CORTA O RABO DELA, PISA EM CIMA
BATE NELA, PEGA NA MENTIRA (...)”
O escritor Jorge Fallorca, publicou em 1983 um livro de poucas páginas mas com um sugestivo nome: “AQUI SE REÚNEM POLÍTICOS, PESCADORES E OUTROS MENTIROSOS”. Cabia mais gente, claro, mas ele generosamente deixou de fora os políticos...
Em sites e redes sociais, a mentira hoje se banalizou de tal forma que ninguém acredita de primeira em muitas notícias divulgadas, modernamente conhecidas como Fake News e que nos assolam e nos inquietam a todo minuto. Exemplo típico é recente falácia de que o Governo Federal passaria a cobrar impostos sobre as operações financeiras realizadas por Pix, sobre a compra de dólares e sobre os animais domésticos de estimação, o que, neste último caso, foge a qualquer lógica, de vez que os tutores provavelmente abandonariam seus vira-latas para se eximirem de mais um imposto, entre os tantos que já são pagos. Prova evidente que convivemos com a mentira todo dia o ano todo e não apenas em 1.º de abril, quando ela é tradicionalmente comemorada.
Lembro, a propósito, das ingênuas petas do saudoso mateiro e caçador apelidado de “Mata Onça”, caboclo da região quilombola do Mondongo no Baixo Amazonas, que desbravou o setentrião como membro da Comissão Demarcadora de Limites onde viveu mil peripécias, uma espécie de Pinóquio ribeirinho que costumava brindar seus ouvintes, sem que crescesse o seu achatado nariz, com mirabolantes pataratices urdidas por sua fértil imaginação, como certa pescaria que ele fez com um amigo, em que sofreram o contratempo de ter a tarrafa enroscada nos galhos submersos do rio, que tinha cerca de três metros de profundidade. O parceiro mergulhou para resgatar a tarrafa, passaram-se dez minutos e nem sinal dele retornar.
Preocupado, nosso herói pulou na água para ver o que havia acontecido e chegando ao fundo, ficou perplexo ao encontrar seu parceiro calmamente sentado numa pedra consertando a tarrafa, que fora seriamente danificada com o engate. Esse divertido campeão da invencionice afirmava que aquele sujeito tinha um fôlego descomunal, capaz de aguentar mais uns quinze ou vinte minutos submerso, sem qualquer problema. E queria que a gente acreditasse...
Mais famoso que ele foi Pantaleão, inesquecível personagem do genial Chico Anysio no programa Chico City, humorístico que ficou no ar durante toda a década de 1970. No programa, Pantaleão era casado com Terta (interpretada pela atriz Suely May) e de pijama, barbas longas e brancas, cabelos grisalhos e usando óculos cuja lente escura cobria apenas o olho direito, contava suas façanhas se balançando numa cadeira, cada qual a mais inverossímil, alegrando-nos intensamente nas noites em que era exibido, com invejável índice no Ibope, deixando muitas saudade quando foi extinto.
Pela parte que me toca, depois dessas ternas e gostosas lembranças, preciso encerrar este texto por aqui, pois tenho que conferir, cédula por cédula, a polpuda grana que recebi hoje por ter acertado sozinho o último sorteio da mega sena acumulada. Não é verdade Terta?...
(*) O autor é advogado, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Artística e Literária de Óbidos, da Academia Paraense Literária Interiorana, da Confraria Brasileira de Letras, do Instituto dos Advogados do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós e da União dos Juristas Católicos de Belém. istórico e Geográfico do Tapajós.His