ONDE A CORUJA DORME, crônica de Célio Simões

ONDE A CORUJA DORME, crônica de Célio Simões

Célio Simões*.

“Onde a Coruja Dorme” –  A expressão é bastante conhecida no meio futebolístico, e é usada principalmente pelos locutores esportivos para indicar que a bola entrou, após ser chutada por acaso ou com maestria, em um dos ângulos retos superiores da trave do gol. Invariavelmente se ouve, com o entusiasmo próprio de quem narra uma partida: - Golaço!  A bola entrou onde a coruja dorme!...

É um dos lugares mais difíceis para um goleiro defender a bola, haja vista que por mais que tente, não consegue impulso suficiente para alcança-la a tempo de impedir a marcação do gol. Este tipo de chute também é conhecido no meio esportivo como "chute na gaveta" ou "chute no ângulo". Antigamente, alguns narradores variavam o jargão e também diziam "onde a coruja faz o ninho".

Mas afinal, quando e porque teria surgido essa expressão? Circula entre os entusiastas de futebol (e que no Brasil são milhões) a versão de que nos anos 70, numa fria noite de muita garoa, o time da Sociedade Esportiva Palmeiras enfrentava um adversário de menor expressão, numa partida morna, pelo evidente desequilíbrio das forças entre os dois competidores. Como o Palmeiras era muito superior, fazendo prever uma goleada contra o fraco opositor, os fotógrafos incumbidos de cobrir a peleja se posicionaram atrás do gol do adversário, esperando que o poderoso Palestra Itália iniciasse a qualquer momento o festival de gols.

Enquanto isso não acontecia, o tranquilo goleiro palmeirense, com pouco ou nenhum trabalho para fazer, se recostou em sua trave, cruzou os braços e encolheu-se para melhor se proteger do frio que naquela oportunidade fazia. Foi quando no canto superior oposto de onde ele se encontrava, pousou uma vistosa coruja e lá ficou quieta, observando atentamente a movimentação dos arredores. De imediato, mesmo estando lado oposto do campo, o fotógrafo Domício Pinheiro percebeu a inédita cena, correu rapidamente até lá e registrou numa única foto, que ele tirou posicionando-se por trás do gol, a indigitada coruja pousada lá em cima, no canto da trave, hirta de frio causado pela chuva fina, entorpecida e imóvel como se estivesse dormindo, porém visivelmente sintonizada com a própria monotonia do jogo que o goleiro enfrentava.

Para preservar o “furo” jornalístico ele espantou a coruja, para que nenhum outro fotógrafo dela fizesse a mesma foto, que posteriormente foi publicada como ilustrativa do que foi a pasmaceira daquele jogo. A partir daí, quando um jogador acerta qualquer dos ângulos numa partida de futebol, os locutores alardeiam que a bola entrou "onde a coruja dorme". É bom lembrar que os locutores de futebol também são artistas natos, cada qual com a sua narrativa personalizada, seus jargões prediletos, que se tornam uma espécie de marca registrada de cada qual, e também constituem parte do espetáculo, pois são capazes de cativar o público com a sua verve e criatividade. Assim, naturalmente, a classe desses talentosos profissionais acabou adotando a expressão para tipificar as situações acima descritas.

De tão emblemática se tornou a expressão, que fora do futebol, passou a servir também para definir as vivências de cada qual em situações limites. “Eu vou onde a coruja dorme...” foi a frase adotada pelo cantor e compositor Bezerra da Silva, para definir seu tortuoso e sofrido processo de trabalho para se firmar no meio musical. Com seu jeito malandro desde o início da carreira, o festejado artista percorria os morros e recantos da Baixada Fluminense gravando sambas de jovens desconhecidos e buscando inspiração para encantar com a sua música o público brasileiro, com letras bem humoradas sobre o cotidiano das favelas.

Que a vida de goleiro não é fácil bem sabem aqueles que já levaram um frango vergonhoso nos acréscimos do segundo tempo. Em algumas situações, no entanto, tudo parece conspirar contra esses valorosos atletas responsáveis por manter o placar inalterado durante o jogo inteiro. Bola chutada de longe que entra “onde a coruja dorme” nem de longe constitui um frango, apenas uma circunstância favorável ao atacante e adversa a qualquer goleiro.

*O autor é advogado, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Jornalismo, da Confraria Brasileira de Letras, do Instituto dos Advogados do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós.

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