MAMÃE, EU PERDI O SEU RETRATO

MAMÃE, EU PERDI O SEU RETRATO

Por Claudio Jorge Castro.  

Eu tive uma mãe negra.

Ela era bela, sublime, maravilhosa com a cor descendente de africanos, a “deusa da minha rua”.

Desde tenra idade fui adotado por ela como filho. Moravam defronte da casa de meus pais em Óbidos. Meu Pai Lalôr falarei depois.

Hoje quero reverenciar e mostrar o meu amor para aquela negra que me abraçava com tanta ternura, que preparava o meu café da manhã, que me ensinou a rezar o pai-nosso.

Eu a chamava de mãe BEL.

Eu só dormia após me ajoelhar aos seus pés, rezar, dar um beijo naquele rosto macio, ficar agarrado em seus braços, fitar aqueles negros olhos e falar: BENÇA MÃE.

Ela me agarrava com força, e eu ia deitar em minha rede, que ficava bem pertinho dela.

O dia amanhecia. O que eu mais ansiava era aquele abraço, aquele cheiro em meu rosto: vá banhar meu filho, eu vou fazer seu café e depois você vai para a escola.

Na saída para a escola eu olhava pra trás, aquele sorriso lindo, aquela mulher negra como uma noite sem luar me olhando da janela. Eu me sentia o mais protegido do mundo.

Intervalo chamado de recreio, eu saia correndo pra casa, me estreitava em seus braços, e ia degustar a merenda que estava me esperando.

Ansiava pelo final da aula para poder ir ao seu encontro.

Como era possível tanto amor desde os 3 anos de idade?

Domingo a missa na Matriz de Nossa Senhora Santana com meu pai Lalôr.

Ela “engomava” minha roupinha branca, e lá íamos nós, eu e Pai Lalôr caminhando de mãos dadas, acenando para os amigos daquela bela cidade onde florescia em cada canto o amor.

O meu pedido para Nossa Senhora Santana se resumia a cada domingo: Proteja o meu pai, minha mãe, a mãe Bel e meus irmãos.

Eu voltava feliz pra casa com o pai Lalôr, com a alma livre, o peito inflado de amor, pois tinha pedido pra Nossa Senhora Santana proteger a mãe Bel.

Chegando na esquina, e vislumbrando seu rosto, eu me desvencilhava da mão do Pai Lalôr, saia correndo e me jogava em seus braços, aqueles braços negros que me abraçavam com tanto amor.

O tempo foi passando e meu amor a cada dia aumentava.

14 anos de idade, eu na tipografia São Francisco, recebi a fatídica noticia: Cláudio, a dona Isabel, esposa  do “seu” Lalôr faleceu.

Eu deixei tudo de lado, saí correndo pra casa, os amigos dos meus pais querendo me segurar, eu me desvencilhei de todos.

Cheguei em casa, ela estava deitada sobre a cama, com pessoas ao redor. Eu deitei do seu lado, e fiquei acariciando aquele rosto negro, inerte e sem vida, que tanta vida me deu.

A caminho do cemitério, levando seu caixão não permiti que me deixassem longe dela. Todos iam sendo substituídos, pois na época os funerais eram feitos caminhando e carregando o caixão para a última morada.

Oh! Mãe BEL, chegar em casa e não ver aquela mulher negra me esperando na janela, com o sorriso angelical e os olhos marejados de lágrimas, a voz maviosa me pedindo pra “entrar”, pois a noite se avizinhava faz meu coração bater acelerado.

Até hoje olho para minha carteira, onde residem algumas reminiscência e só tenho a te pedir perdão, pois

MAMÃE, EU PERDI O SEU RETRATO.

Minha negra, minha preta, meu amor.

O teu sangue mãe BEL era vermelho, como o sangue dos “nobres” europeus.

Ave, Negro, a consciência não tem cor

Comentários  

0 #1 Délio Reis Matos de Aquino 21-11-2024 09:21
Parabéns Cláudio!!! Muito emocionante e vivo
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