Fernando Canto.
O mar te chama, desesperadamente, Ar(agua)ri. O mar reclama. O mar te pororoca. A voz que ruge oca clama por ti. Sons de mil trombetas não se calarão enquanto as noites estreladas cobrirem o teu leito-cemitério de peixes, de alimento podre.
Que desçam os cardumes do Tumucumaque onde os laços do lucro se fecham na tua dor amordaçada. Que desçam os brilhos do Tumucumaque, onde os veios minerais se rompem em tanta agonia.
Homens ensandecidos mastigam folhas da floresta em segredo, mulheres pintam corpos com tintas de jenipapo. Flechas disparadas pelo povo da floresta há tempos viajam perdidas sobre um céu de estrelas que se apagam. Peixes acordarão como centelhas nas águas e as marés roucas invadirão o silêncio dos estirões.
Que desçam os detritos da tua pele clara, Ar(agua)ri. Tua descida é um cortejo fúnebre. E onde está o ar? Onde está a água, Ar (água) ri? Tu já corres lentamente para a boca dos puraqués de pedra e ferro, quase morto pelos choques emitidos da tua força branca, talvez invisível antes da tecnologia dos que te abusam.
Mas o mar se cansa, Ar (água) ri. E te transfere os estertores que a ti pertencem. E nunca mais, Ar(AGUA)rio! Nunca mais serás tu mesmo.
De Fernando Canto à poeta Carla Nobre