Uma vitória emblemática para os remanescentes de quilombo dos territórios Alto Trombetas I e II, em Oriximiná (PA), foi obtida no dia 13 de junho. Após reunião entre o Incra, representantes das 13 comunidades que compõem as áreas, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), além do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da Fundação Cultural Palmares, foi definido que em 30 dias a autarquia agrária publicará a portaria de reconhecimento dos territórios.
Somado a isso, ficou pactuado que na área da Floresta Nacional (Flona) de Saracá-Taquera, sobreposta às terras reivindicadas, as associações representativas de Alto Trombetas I e II receberão do ICMBio* o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU). O documento oferece segurança jurídica e garante a posse da terra às famílias. A emissão é acompanhada da revisão dos instrumentos de gestão da área a fim de que a permanência dos remanescentes esteja em equilíbrio com as finalidades de preservação das áreas ambientais protegidas.
“É um acordo histórico. Sabemos que ainda há um caminho longo a ser percorrido, porque também existe a questão da sobreposição à Rebio (Reserva Biológica) do Rio Trombetas, mas certamente foi uma conquista marcante“, ressalta o coordenador-geral substituto de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra, José Henrique Pereira, que indica a titulação e o acesso a políticas públicas como fator fundamental para o desenvolvimento dos territórios quilombolas.
Conforme o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) elaborado por equipe multidisciplinar do Incra, Alto Trombetas I e II têm cerca de 161 mil e 189 mil hectares, respectivamente. Parte deles incide sobre a Reserva Biológica do Rio Trombetas e a Floresta Nacional Saracá-Taquera, importantes áreas preservadas, grande parte, em função da presença dos remanescentes de quilombos, que concentram suas atividades no extrativismo, como da castanha-do-pará, e no artesanato, em especial a produção de panelas de barro.
A Rebio, com 385 mil hectares, foi criada há quase quatro décadas como a primeira unidade de conservação voltada principalmente para a proteção de tartarugas. Já a Flona, foi criada em 1989, tendo 429,6 mil hectares para uso múltiplo.
Vanguarda
Os territórios margeiam o rio Trombetas e estão entre as ocupações quilombolas mais antigas no Oeste do Pará. Os moradores foram pioneiros no País a lutar pelo reconhecimento e permanência nas terras onde viviam seus ancestrais. “É um processo de titulação histórico, os quilombolas de Oriximiná foram os primeiros a se organizarem para reivindicar a titulação, no ano de 1989”, recorda Julia Dalla Costa, analista técnica de Políticas Sociais da Coordenação-Geral de Regularização de Territórios Quilombolas do instituto. Ela pontua que esse pioneirismo contribuiu para que se tornassem muito politizados e unidos em torno da causa defendida.
As tratativas em relação à sobreposição dos territórios e as unidades de conservação foram iniciadas em 2008, em uma Câmara de Conciliação no âmbito da Advocacia-Geral da União (AGU). As ações, nessa instância, terminaram em 2015 sem solução. No ano de 2016, houve a retomada das negociações e agora, dois anos depois, chega-se a um entendimento parcial. “É uma conciliação que abre novas saídas para aplicarmos em casos semelhantes”, afirma Julia.
RTID
Os resumos dos editais dos Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID) dos dois territórios foram publicados em fevereiro do ano passado. As peças técnicas que compõem os processos de regularização apontaram a necessidade de demarcação incluindo as áreas de moradia, as terras reservadas à execução das atividades produtivas, os espaços de uso comum e de deslocamentos, além das áreas de lazer, de manifestações religiosas e culturais tradicionais, a exemplo do lundu, do carimbó e da capoeira.
De acordo com o relatório antropológico, que integra o RTID, a região ficou conhecida em meados do século 19 para o 20 pela ocupação de escravos que, “fugidos das senzalas das fazendas de cacau e gado localizadas em regiões próximas ao rio Amazonas e temendo expedições de captura, juntaram-se aos índios nas áreas mais protegidas e distantes da floresta”.
A produção do RTID é uma das etapas mais complexas do processo de regularização dessas áreas. Os trabalhos resultam em um documento que aborda informações históricas e antropológicas, cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, geográficas e socioeconômicas obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas. Ele deve ser publicado por duas vezes consecutivas no Diário Oficial da União e do estado onde se localiza o território.
Concluídos e publicados os RTIDs, o Incra notifica pessoas não pertencentes às comunidades quilombolas, compreendidas no perímetro ou na área de fronteira. A autarquia realiza, também, consultas a órgãos ligados ao patrimônio público, cultural e meio ambiente, entre outros, a fim de checar se há sobreposição de interesses nas áreas.
Em cada processo, é aberto prazo de 90 dias para a recepção de eventuais contestações ao relatório, a contar da notificação dos interessados. Caso sejam apresentadas, as contestações são avaliadas do ponto de vista técnico e jurídico, sendo julgadas pelo Comitê de Decisão Regional (CDR) – instância administrativa máxima das superintendências regionais.
Após a conciliação de interesses públicos e julgamento de eventuais recursos e contestações de particulares, o Incra passa à etapa seguinte, que compreende a publicação da portaria de reconhecimento declarando os limites do território.
A titulação dos territórios quilombolas - ação sob a responsabilidade do Incra desde 2003 - só é possível a partir da supressão das Unidades de Conservação, já que ao instituto compete emitir títulos em terras sob sua dominialidade. Para isso, é necessária a aprovação de lei específica no Congresso Nacional.
Assessoria de Comunicação Social do Incra