Haroldo Figueira.
Gosto de dançar. Para mim e creio que para a maioria dos meus contemporâneos de juventude de ambos os sexos, bailar sempre representou uma das mais lúdicas formas de divertimento. O pendor pela dança de salão justificava-se talvez porque à época houvesse poucas opções de lazer destinadas conjuntamente a moças e rapazes. Vale ponderar, por outro lado, que o momento vivenciado favorecia esse tipo de passatempo. Transcorriam os anos 1960, tempo de uma efervescência musical sem paralelo na história.
Musical e rítmica, ressalte-se. Internacionalmente, The Beatles, The Rolling Stones, Elvis Presley, Creedence, Chicago, Abba, Bee Gees, Neil Sedaka, Paul Anka, Chubby Checker disseminavam fortes inovações melódicas mundo afora. No Brasil, movimentos como a Bossa Nova, Jovem Guarda, Tropicália, cantores e compositores do porte de um Tom Jobim, Vinícius, Chico, Ellis, Caetano, Gilberto Gil, João Gilberto, Roberto e Erasmo Carlos, Jerry Adriani, Jorge Benjor, Wilson Simonal, bandas como Renato e Seus Blue Caps, Os Incríveis, The Jordans, The Golden Boys, entre outros representantes do movimento de renovação pelo qual também passava a música nacional, estimulavam o pessoal mais jovem a deixar de lado a inibição e aderir à onda universal de fazer o corpo balançar.
Espaço físico não era problema. Desde que houvesse uma radiola disponível, salas de visitas residenciais funcionavam a contento. Bastava afastar os móveis para as laterais e pôr os discos para rodar. Os pares logo se formavam e punham-se a dançar, uns ainda agarradinhos, outros preferindo fazê-lo soltos, com inteira liberdade para gingas e requebros individuais.
Não que inexistissem na cidade locais apropriados. Havia (e ainda há) em Óbidos a Assembleia Recreativa Pauxis (ARP), clube social dotado de excelente salão de danças. Ali memoráveis festas aconteciam. Afora os bailes de carnaval, os mais tradicionais eram o das Debutantes (em maio), o da Festa de Sant’Ana (em julho) e o do Réveillon (na virada do ano).
Em uma fase mais antiga, a animação musical ficava a cargo do conjunto Euterpe Jazz, que tinha no trombonista Antônio Gracy e no saxofonista Duquinha seus expoentes maiores. A banda, no entanto, carecia de repertório e de recursos técnicos e tecnológicos mais atualizados. Nada, porém, que refreasse a disposição de dançar ao som tocado por ela.
Como é natural no girar da roda do tempo, a tendência é de as coisas evoluírem. Conjuntos mais modernos e bem equipados, egressos da vizinha Santarém, centro mais desenvolvido e conhecido por contar entre seus habitantes com gente vocacionada para a música, passaram a ser contratadas pela ARP. E as festas dançantes obidenses, sob os acordes da “Orquestra Sirotheau”, liderada pelo pianista Sebastião Sirotheau ou do qualificado grupo Os Hippies tornaram-se ainda mais frequentadas e atrativas.
Bons exemplos costumam frutificar. Não tardou que, por iniciativa de meu colega Ricardo Soares Filho (o Cri-Cri), que além de ter a ideia, emprestou sua própria casa para os ensaios, a sociedade obidense ganhasse uma banda moderna, capaz de ombrear-se às congêneres santarenas. Surgiu, então, o grupo Os Relicários, composto por instrumentistas amadores, mas nem por isso menos talentosos. Superava-se, enfim, a sentida falta nos bailes locais de um toque musical de melhor qualidade, produzido por gente de casa.
A ARP era um clube bem organizado. Tinha na sua direção pessoas ligadas ao meio empresarial que cuidavam de sua gestão com zelo e dedicação, como João Flanemil Loureiro e Isaac Hamoy, empenhados em oferecer boa diversão aos associados do sodalício. Planejaram e não mediram esforços para trazer até Óbidos a orquestra de Alberto Mota, uma banda que fazia grande sucesso na capital paraense, inclusive já com alguns LPs em circulação no mercado fonográfico. O grande baile estava programado para acontecer no mês de julho, coincidindo com a Festa de Sant’Ana.
Confesso que nunca vi um evento festivo provocar tanta ansiedade e expectativa entre os moradores da comunidade. Durante os meses que antecederam sua realização não se falava de outra coisa. Onde houvesse ajuntamento de pessoas o assunto era a vinda de Alberto Mota. No interior dos lares, as moças caprichavam no preparo do vestuário e teciam especulações com a família acerca de como preparar-se melhor para a grande noite. A preocupação da rapaziada girava em torno da dúvida de estar apta para dançar os ritmos da moda, como o twist, e tratar de conseguir um terno, porque, festa de gala na Assembleia Recreativa Pauxis exigia paletó e gravata, nem mais nem menos.
Chegou, enfim, o dia da tão aguardada festança. O prédio da ARP virou o centro das atenções. Lotado de dançantes, quase não sobrava espaço para tanta gente. Do alto do palco, a orquestra belenense, por meio de seus metais, guitarras, teclados, instrumentos de percussão, além de um afinado vocal, espalhavam instigante e harmoniosa sonoridade pelo salão. Na pista, ao som de sucessos exclusivos do repertório albertiano como Ou Mais, Tamborim e Dona Baratinha, sem se importar com os inevitáveis esbarrões, a moçada gastava suas energias sem comedimento. E não só os moços, a turma de mais idade também.
O acontecimento dançante superou todos os prognósticos. Entre os casais, alegria e motivação mantiveram-se em alta do princípio ao fim. A ninguém ocorria parar para descansar. Todos queriam aproveitar cada peça musical como se fosse a última. Em rápida avaliação, caberia adjetivá-lo, para fazer uso de uma gíria da época, de uma genuína festa de arromba.
Na volta para casa, um misto de satisfação e saudade parecia apossar-se das pessoas. A sensação que dominava a maioria delas, a mim, inclusive, que na ocasião vivia o apogeu da mocidade, era a de que havíamos participado de uma experiência ímpar, maravilhosa, onírica. Sim, uma espécie de baile dos sonhos, para ser guardado com carinho, na memória e no coração.
Natal, 04 de janeiro de 2019.