MEU AMIGO “POTE”, artigo de Jorge Ferreira

MEU AMIGO “POTE”, artigo de Jorge Ferreira

Jorge Ary Ferreira.

Crescemos juntos, desfrutando o que de melhor Óbidos oferecia aos moleques da nossa geração. Isso incluía banho no porto de cima, camonha, turite, fala pifone, além, é claro, da famosa pelada das três, onde desfilavam craques como o Leão do Cícero, Capelota, Pincha, Chico Alfaia e outros. Existiam também pernas-de-pau como eu, Lelé, Atola e Magal.

Pote era um moleque magro. Um momento: magro é pouco. Bota magro nisso!... Diziam, na época, que a carne da sua bunda, “bem catada”, não enchia dois pastéis. Lembrem-se de que os pastéis daquela época tinham mais arroz no recheio do que qualquer outra coisa.  Agora, pensem num pé de respeito. O maior que conheci!  Por conta disso, ganhava os mais diversos agrados da turma: pé de remo, pé de faia, além de muitos outros.

A coisa mais difícil na pelada era derrubar o Pote, pois tinha bastante “alicerce”. O carrinho era a sua arma secreta. Desarmava qualquer Ronaldinho.

Do meu amigo, sabia apenas que era filho do Biribote, funcionário do DER.  Não sabia nem o seu o nome de batismo. Também, pouco adiantaria saber. Quem, em Óbidos, o conheceria como João, Fabiano, Augusto, ou outro nome qualquer? Agora, perguntem nesta terra quem é o Pote? Quero ver quem não o conhece. Nos Blocos de carnaval, é figura infalível!

Hoje, sem um lado da mão, perdida em uma encrenca na cidade de Manaus, abraça sua esposa com o lado deficiente, pois o outro precisa ocupar com a caixa de maizena e a garrafa de cana para abastecer o casal, é claro.

No Bloco das Virgens, é uma das atrações. Sempre trajando um tubinho bem justo, lábios vermelhos, porém, de tênis. Nenhum sapato feminino pode calçar aquele pé. Quem sabe o da Cicarelli?

E, nessas voltas que a vida dá, o destino me colocou em contato com essa figura ímpar, que só uma cidade bacana como Óbidos é capaz de produzir.

Levado pela perda da capa do som de meu carro, tive conhecimento que o Pote havia achado coisa semelhante, e, muito dignamente, vinha, há dias, procurando se alguém sabia quem havia perdido tal objeto. Chegou até anunciar na Rádio Comunitária, tal achado.

Fui ao seu encontro num bar da cidade, o “Natureza”. Lá, estava meu amigo disputando uma partida de bilhar, apostando “na tampinha”. Impressionante vê-lo tacando, aprumando o taco na cana do braço. Não errava um fino!

Esclarecendo o motivo pelo qual lhe procurara, tive dele a confirmação de que a capa estava em seu poder, guardada em sua residência. Imediatamente, se prontificou a apanhá-la. Sentado ao meu lado, fomos colocando o papo em dia. Claro, lembrando de nossa infância!

Chegando à sua residência, fiquei encantado com a sua beleza. Localizada na Rua Horácio de Azevedo, entre a Bacuri e a colossal barreira - que é sua vizinha pelo lado direito. Bem ali, como diria o poeta Eduardo dias, ”Onde o Rio se Curva”, com sombras de duas mangueiras e um quintal minuciosamente varrido.

Foi aí, meus amigos, que jamais pensei que sentiria, na vida, inveja de uma privada construída nas proximidades da barreira, com a porta na direção da Costa Fronteira.  Lembrei do meu pai, que sempre dizia que o momento de maior reflexão na vida de um homem se dá, justamente, quando ele senta num vazo sanitário para fazer suas necessidade. É quando se pensa nas dívidas, amores, faz contas, planeja, e, assim vai. Eu, na maioria das vezes, leio.

Talvez tenha sido esse o motivo que tenha levado o grande escultor Auguste Rodin a esculpir sua grande obra, “O Pensador”, nu, sentado em uma pedra, pois o vaso sanitário desvalorizaria a escultura. Ninguém me tira isso da cabeça!

Agora, com uma paisagem daquela, não tem “cagada” melhor, tendo a disposição uma vista que vai da boca da Maria Tereza ao Ipaupixuna!

O Pote merece! Um caboclo do bem, que leva a vida se divertindo, merece aquele cenário.

Fiquei imaginando quantas embarcações passam no nosso Rio, das mais diversas origens. Do Curumu, do Paru, Jurutí, Parintins, Manaus, Belém. Navios cargueiros ou luxuosos transatlânticos dos mais diversos países, carregados de ricos suecos, alemães, finlandeses... E o POTE , “cagando” para todos eles!      

Publicada originalmente em: 15/01/2007

Comentários  

0 #1 João Canto 20-04-2021 21:55
É excelente teu artigo Jorjão. Parabéns!
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