Jorge Ary Ferreira.
Meu modo de viver, sempre foi montado de acordo com uma frase muito usada pelas rádios de Óbidos, quando anunciam as programações comunitárias, como festas e torneios, depois de anunciarem a programação religiosa, festiva, torneios..., terminam sempre dizendo: ... "e o que ocorrer"...
Por isso sou fã de uma boa roda de conversa descontraída, sem convenções, sem regras, porém, sempre com muito respeito e carregadas de conhecimento, o que proporciona a continuidade da identidade cultural das futuras gerações, são nessas resenhas, muito comuns na nossa cidade na base do "... o que ocorrer"..., que os conhecimentos são trocados e a vida vai sendo moldada dentro da característica do nosso povo.
Um desses encontros que sempre tive o prazer de participar é a “purinha” da madrugada, que disputamos um cafezinho e vem acontecendo a muitos anos. Tenho notícia que existe desde o antigo trapiche, no tempo de Cabo Velho, seu Raimundo, seu Lira, Sabá Preto, estivadores... que sempre disputavam o cafezinho na famosa “purinha”. De lá para cá, muitas gerações vieram e partiram, Pedro Marinho, Chico Aquino, Martiniano, Warly, Juscelino, Álvaro Canto, Romualdo Amaral, Chico Canto e quantos mais... todos amigos queridos, que conviveram e trocaram suas experiências, deixando naquela resenha sua contribuição, partilhando suas experiências com os mais novos.
Em um desses encontros, ano de seca extrema, acho que foi 2002, conversando com seu Vivi Carvalho, Romualdo Amaral, Haroldo Amaral, dentre outros, em uma madrugada do verão amazônico, no tempo em que a “purinha” ainda era jogada no Mercado, ouvi o seguinte relato do seu Vivi, confirmado pelos outros: falando sobre a preocupação daquela vazante, ele disse que no ano da “revolução”, 1964, chegou ao desespero porque não sabia como sustentaria seus familiares dali para a frente, uma vez que secou tudo, fazia pena ver a quantidade de urubus e outros pássaros na região do paranapitinga, muratuba e laura, comendo peixes que apodreciam ao sol escaldante. Encontravam quelônios magros, jacarés em cima dos tesos, mudando de local, procurando água, era um desespero total. No ano seguinte, para a surpresa de todos, e ao mesmo tempo a alegria, a cheia foi grande, e para os antigos, "cheia grande, fartura grande", foi o ano que ele mais ganhou dinheiro, pois seu ramo era comércio de carnes, pele, piracuí, e demais gêneros, que eram vendidos ou trocados nos famosos regatões vindos da região das ilhas e praticavam esse tipo de comercio de troca, com gêneros vindos da capital, e até aquele dia, ele não sabia de onde apareceu tanto peixe, tanto pirarucu, tanta fartura.
Então, a partir daí, passei a observar e não me impressiono mais com esses acontecimentos, com a chegada das chuvas tudo voltará a ser como era. Se atentarmos para a característica da nossa alimentação, veremos facilmente que ela é feita de produtos frescos, consumidos nas épocas próprias e de alimentos preparados para serem consumidos por longos períodos, como: maniçoba, mexiras, carnes salgadas, piracuí, tufados, que eram estocados para serem consumidos nas épocas de escassez.
Portanto meus amigos, assim que roncarem os trovões do final de outubro, trazendo a chuva, com elas chegarão, o verde dos campos, as flores, as borboletas. E vamos tratar de botar para torrar farinha, que consequentemente a fartura voltará.
Assim é a vida na nossa Amazônia!
As fotos seguintes foram feitas por Alacid Canto, da ponta de praia que surgiu em frente a Cabeça do Padre, na grande seca de 2009.
Fotos....
http://obidos.net.br/index.php/artigos/6398-cheia-grande-fartura-grande#sigProIdd518b7fcaa