ESPIA SÓ! A NOIVA DO CASARÃO DA RUA CHERMONT

ESPIA SÓ! A NOIVA DO CASARÃO DA RUA CHERMONT

Por Itamar Rodrigues Paulino. 

Em tempos pandêmicos a alma abre fresta para a poesia e a mente por um minuto relaxa o corpo ansioso e cansado do silêncio agitado do isolamento. Hoje meu relax foi fazer essa poesia me solidarizando à cidade de Óbidos que também passa por tempos sombrios nessa pandemia, no Baixo Amazonas. Fique a vontade para ler, contemplar, comentar, compartilhar....

ESPIA SÓ! A NOIVA DO CASARÃO DA RUA CHERMONT

Por quê? Por quê, incauto navegante,

Flutuas zimbando veloz

Por sobre incontroladas maresias

Nos dias de agito e folia?

E nas noites de calmaria

Fica à mercê do vento taful?

 

Por quê? Desordeiro navegante

Bambeias breado e embriagado

Por sobre fortes banzeiros

Dos grandes navios ferreiros,

Com seu pô-pô-pô voadeiro

Rasgando o rio encarnado.

 

Te escangalhas nesta sina

Por não dar conta da fuga

Do teu destino implacável

Perdurante, ardiloso e cruel.

Sejas tu vítima ou réu,

Já tens à pele marcas taídas.

 

Não te arredas da consciência.

Para não cair no dom da piradice.

Não és de pronto um leso de nascido.

Tentando a custo explicar o feito

A sabe lá quem diz respeito,

A tua insana saída, de imediato fulgás.

 

Eras a razão da vida da pobre Ormínia!

Enlouquecida e espocada de Amor.

Eras tu a razão da caboca linda,

Adormecida por uma facada maldita

Que levou ao respiro final essa ferida

De dama enoivada, inebriada de dor.

 

Oh traidor felino, mosqueiro do desatino,

Ela o amava com tamanha intensidade.

Doava versos ao teu bril estribado,

Era amor incondicional da vida própria,

Na vida do outro, plenamente apegado.

Possibilitando prazer e alegria.

 

Quando ela o tinha, era só pavulagem!

Um querer teimosamente tragilúdico.

Queria a todo custo um encontro casório

A soleira do rio como cenário,

E o eterno enlace na benção do vigário

Teria sido um ato de obstinada euforia.

 

Era assanhada a tua alegria,

Mas quando já, tu eras outro no mesmo.

E na mesmice de si, eras tu indiferente.

Insistias numa vida errante.

Ao lado da noiva, estavas presente,

Mesmo deitando no peito divã outra.

 

Égua de situação mais escabrosa!

Então, havia outra dama,

A esposa que estava escondida,

Abeirada no canto do Rio, toda desiludida.

Travosa na disputa aguerrida,

Certa do deleite da sua brilhantura.

 

E a esposa que estava distante

Sentindo a falta do homem do mar

Que fora enviado à Sentinela do rio-Mar

Desse vale de selva sem par.

De pronto uma viagem veio a empreitar.

De lá dos confins fluminenses.

 

De lá da Capital, a dama primeira embarca.

Num dos vapores que cabeceiam o Amazonas

E ela contemplava o rio de cor turrada

Cor de terra lambuzada, ensaboada,

Cor de terra argilosa, ensaibrada.

E ela de riba, no beiral do rio que é mar!

 

Ela de pronto no porto chegou

Para reivindicar o falso Fobó.

O tal contra-almirante, falsário do amor,

Periquitado de bata em alva cor,

E vibrado vozeiro de bué falador.

Desconhecido por todos de tudo.

 

E a enoivecida era só paluvagem.

Mal sabia da chegada da dama primeira.

Na sua doce inocência de cunhatã,

Olhava da sua janela Divã

Para o lado do Baixo Paranã,

O grande vapor chegando.

 

Queria por todo custo presentear o noivo

Com um amuleto do rio-Mar,

O belo muiraquitã de verdoso que é,

Que só ganha o astuto, guerreiro que é.

Era esse um nobre gesto, ato de feito de fé.

Agrado que esturrica de amor o peito.

 

E a hora do encontro chegou.

Enlace que vazaria o pitiú do destino

De pronto e repente se fez

A presença da amada primeira,

Casada por anos antes, Esposa de garantia,

Mas, credo! Escondida por anos depois.

 

Pronta para zanzeiro e baixaria,

A dama desfila pelo ladeirado.

De mãos dadas com o Mija-manso,

Passeia sem medo de remanso

Ou do esbandalho do que é manso,

Olhando nas janelas, curiosas cunhãs.

 

E logo fica defronte à casa da noiva

E a pequena cunhatã, vestida em alvura

De sorriso inocente, ansiosa pela espera,

Topa com a nova revelação, e gela!

Tomada de passamento, se encolera.

Feito rabeta em banzeiro, sua alma mofina.

 

Era que tu, noivo de pronta falsidão,

Já havia por tempos de antes,

contraído um casamento de véu,

Com uma mulher de outra parte do céu

A parte que não se sabe, de um lugar ao léu.

Nem saber é se faz, ois o destino aposseou.

 

Sabe-se apenas que a noiva encantada,

Ora toda enamorada, feliz no seu arranjo,

Descobre incrédula que seu amado

Era de outra dama um enlaçado.

Essa foi pesada a dor do inesperado.

Toda a estrutura traída, felicidade destruída.

 

Égua de Noivo! Decidiu revogar de uma vez

De sua destino o enlace com a noiva querida,

E de quebra o título de sortudo solteiro.

Reassumindo com a dama, o dote parceiro

Com a noiva de Óbidos, não ê mais cavalheiro.

Sua alma virou torrão, por água turva cercado.

 

E Agora? Sem força para lidar com a sina.

O que fez a noiva? Essa doce menina?

Abandonada à mercê do seu próprio caminho,

Sem saber trilhar pelo próprio destino.

Por ele traído, esse rumo ferino.

Uma saída digna para um momento indigno.

 

Contra a força do destino traído,

Ela recorreu com desespero a uma faca.

Como uma flecha em veneno embrazado,

Solapou um forte golpe de peso pesado

Bem na metade do coração machucado,

Levando sua paixão para a eternidade.

 

A resposta para tamanha decepção.

Foi, pela Noiva, dar cabo à humilhação.

Quanto a ti, incauto navegante, arrasado.

Que ainda flutuas pelo rio-Mar, desesperado.

Entre maresias e banzeiros, inconformado,

Tu és um grande aloprado.

 

Sempre estás em Fuga da noiva arrasada.

Mas ao final toparas com seu destino final.

Fugindo a toda hora, o tempo inteiro,

Pelas águas deste Amazonas faceiro.

Tu deverias te acusar, como primeiro,

E dar-se o direito à vergonha pela diabrura.

 

Essa tua insana e desconcertante sina.

Por ora incompreensível; assim tão fulgás!

É somente o atestado de uma confissão:

O erro que desgraçou o nobre coração,

Da inocente viúva deste belo Torrão,

Óbidos, chorosa dessa tragédia de dor.

 

Toma-te! Teu erro é irreparável!

E servirá para sempre de exemplo:

Nessa trincheira sem-beira, Estreita,

Nesse canto rio-Grande à espreita,

O remanso é armadilha escorreita.

Para o afogo de vez tua parrudice empalhada.

 

Nesse vão florestal, pelo rio-Mar transcursado,

Que teimoso anuncia o impossível da fuga...

O fadário não te deixará sair do leito,

E terás de cumprir tua sina com respeito,

Até completar a pororoca do seu destino,

Seu fim certo na boca do Atlântico vazante...

 

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