O Marambiré do Pacoval de Alenquer – Patrimônio Artístico e Cultural do Estado

O Marambiré do Pacoval de Alenquer – Patrimônio Artístico e Cultural do Estado

A matéria seguinte foi publicada no  Boletim cultural “O Marambiré” lançado em janeiro de 2011, por Luiz Ismaelino Valente, com   objetivo de divulgar notícias, em geral, e, em particular, as ideias e opiniões sobre temas de interesse público, com enfoque especial sobre a arte, a cultura, o folclore, a história, a literatura e o meio ambiente de Alenquer.

A matéria “O Marambiré do Pacoval de Alenquer – Patrimônio Artístico e Cultural do Estado” foi publicada no referido boletim de janeiro de 2011, a qual estamos republicando na íntegra, para as pessoas conhecerem um pouco da história e da Cultura do Povo do Pacoval, no município de Alenquer.

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O Marambiré do Pacoval de Alenquer – Patrimônio Artístico e Cultural do Estado

Luiz Ismaelino Valente. 

O Marambiré é uma bela manifestação folclórica típica da famosa vila do Pacoval, município de Alenquer, no Pará. Os dicionários não registram a etimologia do vocábulo Marambiré, que só foi dicionarizado a partir da 11ª edição (2002) do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, com o seguinte verbete: “Marambiré. Dança de cunho religioso, o marambiré ou sangambira, como também é chamado no Pacoval, município de Alenquer, no Pará, teve sua origem em mocambo, depois de terem os negros fugido da casa de Maria Macambira, em Santarém. A dança cultua São Benedito por meio de cantos simples que retratam o cotidiano (Lygia Conceição Leitão Teixeira, em Marambiré – o Negro no Folclore Paraense, Belém, 1989).”

Na verdade, até o terceiro quartel do século XIX, o negros escravos evadidos das fazendas de Santarém, como as que pertenceram à dona Maria Margarida Pereira Macambira, famosa por castigar seus servos com “salga” (salga ou salgadura = ato de salgar; diziam os mocambeiros que Maria Macambira punia os seus escravos mandando retalhar suas nádegas e passando sal grosso nos cortes), procuravam estabelecer-se em acampamentos provisórios (quilombos) na região das corredeiras e cachoeiras – as chamadas “águas bravas” – dos rios Curuá e Mamiá, dentre outros. Eram locais de difícil acesso, onde as diligências policiais de captura dos evadidos não conseguiam chegar.

Em março de 1876 o major Luiz de Oliveira Martins, de apelido Martinho Beato, delegado de polícia de Alenquer, conseguiu, entretanto, prender 135 quilombolas do Curuá, recambiando-os para Belém, onde, depois de mais de um ano, foram todos julgados e libertados. Muitos dos libertos voltaram para junto dos que tinham escapado da prisão efetuada pelo major e já haviam se estabelecido, agora em caráter permanente (mocambo), em um lugar mais aprazível e mais acessível, à margem direita do rio Curuá – em “águas mansas” –, hoje conhecido como vila do Pacoval, notabilizada pela prática da mandinga, pela fabricação de uma bebida, de fórmula até hoje secreta, conhecida como o remédio dos pretos, poderoso soro contraveneno de ofídios e animais peçonhentos, muito elogiado pelo cientista Vital Brasil, do Instituto Butantã (SP), e, “last but not least”, pelo Marambiré.

Há uma lenda (ou será um caso real?) segundo a qual o jovem mocambeiro Assis, morador do Pacoval, casou-se com uma bela moça branca, de nome Rosa, rica e orgulhosa herdeira de comerciantes portugueses de Belém. Ao passar férias em Alenquer, no casarão da família Corrêa (mais tarde residência de Colombiano Marvão e sua família), na antiga rua da Praia (depois rua da Frente, mais tarde avenida Getúlio Vargas e hoje avenida Benedicto Monteiro), Rosa teria feito pouco caso do pretendente, mas não demorou a ceder ao poder do feitiço que lhe pôs Assis, com quem foi morar no Pacoval até morrer em idade provecta.

Grupo de Marambiré no Pacoval, Alenquer. Foto do Autor

O cordão ou a dança do Marambiré é praticada todos os anos entre o Natal e o dia 6 de janeiro (Dia dos Reis e de São Benedito, padroeiro do bairro da Luanda), estendendo-se quase sempre até 20 de janeiro (Dia de São Sebastião, padroeiro do bairro do Aningal), e também em junho, durante as festas de Santo Antônio (padroeiro de Alenquer e do Pacoval).

Os trajes dos dançarinos são bem modestos (na verdade, são as roupas de domingo dos participantes), porém realçados por cocares e fitas de papéis coloridos, espelhos e imitações de penas de pássaros (as penas originais de pássaros deixaram de ser usadas só recentemente, quando os mocambeiros passaram a ter consciência ecológica).

O ritmo da dança provém de tambores, pandeiros, cavaquinho e violão. As letras das músicas, de estrutura muito simples, quase simplória, têm conotação religiosa (invocando principalmente São Benedito) e ao mesmo tempo rendem tributo à nobreza (ao Rei e à Rainha do Congo e seus vassalos, que, por corrupção lingüística, operada ao longo dos tempos, hoje muitos chamam valsares).

“O cordão do Marambiré ou Sangambira é um culto, uma dança, uma brincadeira ou uma manifestação de fé?”– pergunta Euripedes A. Funes no capítulo “O Pacoval do Marambiré”, do contraveneno, Pacoval dos mocambeiros, parte de sua tese de doutorado na USP intitulada “Nasci nas Matas, Nunca tive senhor” – História e Memória dos Mocambos do Baixo Amazonas (1995). E ele mesmo responde: “Na verdade é tudo isso e muito mais. É símbolo de um sincretismo religioso e cultural; é síntese da história da gente do Pacoval.”

O Marambiré é conhecido também no Flechal (Óbidos) e em Alter-do-Chão (Santarém), onde é chamado muirambiré. Mas, no dizer do maestro Adelermo Matos, estudioso da música e do folclore paraenses, “o autêntico Marambiré é o que se pratica na vila de Pacoval de Alenquer”, declarado Patrimônio Cultural e Artístico do Pará, como “expressão artística e cultural do Município de Alenquer” (Lei nº 7.113, de 19 de março de 2008).

Grupo de Marambiré no Pacoval, Alenquer. Foto Ufopa

No começo da década de 1970 o editor do boletim escreveu um poema musicado por seu irmão, o médico Francisco Flaiury Valente, com o nome de Marambiré. A composição foi incluída no CD “Viva Alenquer” (2002, apresentado pelo escritor Benedicto Monteiro). Sua primeira execução pública, com arranjo do maestro Anselmo de Jesus Queiroz da Costa, ocorreu na posse do editor do boletim no cargo de Corregedor-Geral do Ministério Público do Pará, no auditório “Nathanael Farias Leitão”, no edifício-sede do Ministério Público em Belém, no dia 9 de janeiro de 2002.  Na música, Flaiury buscou acentuar o ritmo inconfundível do Marambiré, talvez enraizado no lundu – matriz de tantas outras danças folclóricas de inspiração africana no Pará.

Na letra, o editor do boletim procurou evocar o mais rico legado cultural do mocambo do Pacoval: seu remédio dos pretos, sua mandinga, o Marambiré e a belíssima e inconfundível história de amor de Dona Rosa e Assis. Muitos participantes do Marambiré de Alenquer sobrevivem no rico cenário da nossa infância: “Seu” Aralto, “mestre” Eládio, Dona Coroca, velho Árgeo Milharal, Raimunda e Rufina Poeira, Carolino, Inácio, Santa Rita, Dona Cruzinha (ou Cruizinha, como é mais conhecida) – e “tanta gente que o tempo não esquece jamais!”

Fonte: Boletim Cultural O Marambiré (Nº01 de Jan/2011)

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